Um dos filmes mais impactantes e fortes da história do cinema argentino está na Netflix e você ainda não assistiu Divulgação / Morena Films

Um dos filmes mais impactantes e fortes da história do cinema argentino está na Netflix e você ainda não assistiu

Antes muito longe do universo de empobrecimento galopante de seus homólogos na América do Sul, a Argentina tem hoje com quase 47 milhões de habitantes pelejando para ganhar a vida depois da incompetência de sucessivos governos na condução da economia do país. Quando do lançamento de “Elefante Branco”, a Argentina começava a sanear suas contas num moroso processo de austeridade fiscal, pensado de forma a estancar a sangria da desaceleração econômica. O efeito instantâneo, claro, é aquele que a frieza das estatísticas não capta, e é aí que o filme de Pablo Trapero quer chegar. O diretor, cuja produção é das mais opimas da indústria cinematográfica latino-americana, mira um ângulo devastador da extrema pobreza das favelas de Buenos Aires, que não raro amalgama-se com a violência dos narcocartéis e o silêncio complacente das autoridades, que contribuem com a derrota civilizacional perseguindo e executando mestiços pobres, amparados por entidades organizadas livremente e por homens de Deus, mas que também cometem seus pecados.

Na enigmática abertura, um homem é examinado numa aparelho de ressonância magnética, dando-lhe a impressão de fragilidade masculina Trapero tão bem elabora em seus filmes. Repisando a parceria exitosa de “Abutres” (2010), os roteiristas Alejandro Fadel, Martín Máuregui e Santiago Mitre centram na figura de Julián, um sacerdote católico portenho que há algum tempo vem lutando debalde pela inclusão de povoados miseráveis no subcontinente. Desta feita, o padre Julián está na Amazônia boliviana, quando presencia um massacre de ribeirinhos num vilarejo mais afastado durante uma noite profunda, iluminada apenas por uma fogueira que teima em queimar. Elementos visuais somam-se ao latido de cães, até que Julián aproxima-se mais e resgata um dos poucos sobreviventes, o também padre Nicolas, mandado da Bélgica com as mesmas atividades desenvolvidas pelo argentino.

Os dois voltam para Buenos Aires, e a partir desse momento Ricardo Darín e Jérémie Renier atuam em conjunto, na função de superego um do outro, até que o enredo divide-se entre a elaboração sociológica e o compreensão do ponto de vista moral do relacionamento de Julián com Luciana, a assistente social vivida por Martina Gusmán. Quando os três se unem a fim de conseguir a desapropriação das ruínas de um hospital abandonado para transformá-lo num prédio de apartamentos populares, a sanha por igualdade cívica ultrapassa o repúdio dos poderosos locais quanto à situação íntima de Julián e Luciana — sem mencionar o personagem de Renier, estrangeiro e, portanto duplamente invasor —, e o clima de perene convulsão em meio à gente humilde da comunidade de Villa Virgen instala-se de vez, sem margem para heroísmos de nenhuma parte.


Filme: Elefante Branco
Direção: Pablo Trapero
Ano: 2012
Gêneros: Drama/Policial
Nota: 8/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.