O filme mais assistido na história do cinema italiano na Netflix Emanuela Scarpa / Netflix

O filme mais assistido na história do cinema italiano na Netflix

Heroísmo nenhum pode ser autêntico quando se precisa incorporar um espírito de combate perpétuo, que se dilata ad aeternum ao longo de uma existência sem nexo e sem fundamento verdadeiramente sólido, descartável, limada pelos donos do poder ao fim de breve e descuidada análise.

Essa conjuntura de dificuldades extremas, que se avultam e nos fazem lutadores quando não desejávamos, numa arena onde se está para matar ou para morrer, se erige ainda hoje, lançando mão das medidas e desmedidas de cada uma de nossas atitudes, aquelas mesmas que hão de nos levar a um futuro decerto muito menos doce que este já triste presente que nos cerca.

Há grupo sociais constituídos tão solidamente que chegam a despertar a inveja das instituições formais de mando, sem prejuízo de conceitos como honra, bravura, lealdade, compromisso. Rasgando a carne flácida do tempo, a máfia, muito mais que uma megaempresa de êxito, dotada de filiais pelos quatro cantos da Terra, cada qual com suas idiossincrasias e seu modo de operar, se impõe como uma visão de mundo, em que resta sempre muito clara uma filosofia empreendedora, que abrange seus clientes junto à mentalidade da autonomia individual absoluta, ou seja, todos são livres para fazer de suas vidas o que bem quiserem e o Estado e seus representantes legais não devem se meter. Por evidente, a fachada de defesa dos homens e sua intimidade e tantas outras boas intenções voltadas à preservação da humanidade em seu estágio mais básico rui fragorosamente uma vez confrontados o número de vítimas do abuso de entorpecentes e suas comorbidades e o lucro das grandes organizações criminosas que se vivem do narcotráfico, chaga aberta de povos os mais diversos entre si.

O título do novo longa do florentino Cosimo Gomez soa pomposo — e é mesmo. À primeira vista, “Meu Nome é Vingança” parece um épico grandiloquente acerca da malcontida ira de um homem que se flagra subitamente desapontado com as más escolhas a que se foi entregando ao longo de uma vida de misérias disfarçadas; contudo, à medida que a história toma corpo, Gomez vai deixando claro seu genuíno intento, o de se destituir o protagonista de toda a aura de glamour que possa prevalecer em enredos como o de seu filme, optando, conscientemente ou não, por recusar o emprego de efeitos especiais ou enquadramentos mais rebuscados sempre que se concentra com mais esmero na figura do personagem central, vítima de um sítio psicológico que só faz crescer.

O roteiro do diretor, escrito com Andrea Nobile e Sandrone Dazieri, parece se moldar à personalidade esquizofrênica de Santo Romeo, o gângster de família vivido por Alessandro Gassman. Não é primeira ocasião, a propósito, que dispõe-se do trocadilho meio infame de batizar um bandido justamente com esse nome, como prova “Nada Santo” (2019), dirigido pelo também italiano Renato de Maria — a despeito do que poderia ser uma coincidência irrelevante, o filme de De Maria também trata de um mafioso caído em desgraça. No que se refere a “Meu Nome é Vingança”, o diretor trabalha o conflito principal de modo a fazer com que o espectador fique persuadido a dar um voto de confiança (ou, ao menos, o benefício da dúvida) a Santo, o que têm todas as chances de acontecer graças a interpretação visceral de Alessandro, filho do matador Vittorio Gassman (1922-2000), um dos melhores atores de seu tempo.

A trama deriva muito e quase se perde devido à insistência de Gomez em empurrar pela goela da audiência abaixo do público a conversão desinteressada de Santo, mas a entrada em cena de Ginevra Francesconi na pele de Sofia, a filha que descobre o passado do pai e não lhe tem nenhuma compaixão — mormente depois do crime que marca a vida dos dois para sempre —, salva a hora e meia de uma narrativa meio verborrágica, mas bem levada.


Filme: Meu Nome é Vingança
Direção: Cosimo Gomez
Ano: 2022
Gêneros: Drama/Ação
Nota: 8/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.