Filmes que surgem da adaptação de jogos dependem, em caráter especial, da maneira como se vai divulgá-los. No caso de “Warcraft — O Primeiro Encontro de Dois Mundos”, Duncan Jones opta, sabiamente, por carregar no potencial dramático de cenas que ao mesmo tempo que capturam o interesse do público leigo, sem prejuízo algum da fidelidade ao enredo original, pelo contrário — o que não vem a ser exatamente uma vantagem, frise-se. Os personagens de “World of Warcraft”, a batalha campal entre os orques, seres monstruosos dos contos de fantasia medieval do folclore germânico que insurgem-se contra o que a civilização aprendeu a chamar de bem, e os seres humanos, são em tudo semelhantes ao que deles se conhece mediante o trabalho dos projetistas Jeffrey Kaplan, Rob Pardo e Tom Chilton, para as telas de computadores e tablets, e ganham vida graças à sofisticados mecanismos e, claro, à onipresença da computação gráfica, restando pouquíssimo espaço para o trabalho de interpretação. Quando se quiser poupar o movimento dos dedos, oferecer algum descanso aos olhos e e apenas apreciar a paisagem, o material de Jones é uma alternativa razoável.
O roteiro de Jones e Charles Leavitt entendem essa necessidade constante de não se esquecer a natureza imagética da trama e já na primeira sequência revela o espírito do que se vai assistir no transcurso de mais de duas horas. Em contraplongée, a silhueta de um homem em oposição a um céu azul de poucas nuvens — alguns dos inúmeros acertos da fotografia de Simon Duggan — insinua que ali houve um combate de morte, e ele agora mira o cadáver do que fora um inimigo encarniçado. Toma-se pé do fundamento da história, por meio de um narrador, e fica-se sabendo que as batalhas entre orques e soldados da nossa espécie vive nas memórias mais obscuras de cada um (admito que vasculhei os diversos ângulos reentrantes da minha cachola e não encontrei nada a esse respeito, o que me leva a concluir que o texto do diretor e seu corroteirista seja mais familiar a determinadas culturas). Fala-se ainda no enfrentamento a “inimigos ocultos”, que valem-se de uma certa magia verde para subjugar os outros povos, e com algum esforço se infere que prospera uma facção chamada Vileza, responsável por espalhar a ganância pelo mundo, pouco mais que o reino de Azeroth.
“Warcraft” começa a fazer algum sentido no momento em que Jones abandona o protocolo de ter de mencionar cada mínimo detalhe que compõe o andamento do jogo e se concentra nos arcos dos personagens, mormente Durotan e Draka. Por trás do figurino que os deixa pantagruélicos, Toby Kebbell e Anna Galvin proporcionam bons momentos com conversas desafetadas, românticas algumas vezes, tornando-se mais circunspectos quando falam de Go’el, o filhinho que logo vai nascer, num cenário de incerteza e esfacelamento da pouca ordem que ainda resiste. Com muito mais destaque, tipos como Medivh, de Ben Foster, guardião das artes da feitiçaria; o guerreiro Anduin Lothar, personagem de Travis Fimmel; e Garona Halforcen, de Paula Patton, um híbrido de orquisa e mulher, por quem Lothar nutre uma estranha fixação, ocupam o centro do palco depois de um primeiro ato meio insosso, que se liga às cenas em que orques e as tropas do rei Llane Wrynn interpretado por Dominic Cooper se batem — com direito ao ligeiro dilema existencial de Garona, que traça o destino do soberano de Azeroth. Tudo isso pode ser uma beleza para os fãs do videogame, mas eu gostei mesmo foi do pequeno Go’el, abandonado por Draka nas águas de um rio, como Moisés, prometendo voltar. Quem sabe na pele de um grande líder, com os mandamentos para um novo tempo.
Filme: Warcraft — O Primeiro Encontro de Dois Mundos
Direção: Duncan Jones
Ano: 2016
Gêneros: Ação/Fantasia
Nota: 7/10