Trabalhar no mercado de imóveis pode ser perigoso. É o que se depreende de “Cadê os Morgan?”, uma comédia tão irregular quanto precisa. Se em alguns lances o filme de Marc Lawrence, um especialista em besteiróis que flertam com o romance, acerta em cheio, provocando risos inesperados (e sempre bem-vindos), noutros a história sabe a alguma coisa requentada de eras imemoriais — o que a trajetória do diretor confirma sem pejo. Lawrence transita com galhardia entre esses dois gêneros, incluindo com parcimônia uma pitada de drama numa história que, de tão improvável, teima em não querer ficar de pé. O dia a dia de um sofisticado casal de Nova York entra quase para só preencher as tantas lacunas da introdução, meio longa demais, até que o roteiro começa a enveredar para onde a trama tem de fato chance de capturar o interesse do espectador, apostando no nonsense e na química dos protagonistas, frise-se.
Pela secretária eletrônica — um aparelho ultrapassado já no distante 2009 em que o filme vai à praça — alguém procura por Meryl Morgan, uma das mais requisitadas e bem-sucedidas corretoras de imóveis de alto padrão de Nova York. Enquanto os créditos pipocam na tela, fica-se sabendo que é o marido, o advogado Paul, com quem teve uma briga que, tudo leva a crer, foi muito mais séria que um bate-boca por discordâncias sobre se deveriam ir jantar no moderno Carbone ou no tradicionalíssimo Harry Cipriani. Ele se empenha em reconquistá-la, ela não o rejeita bruscamente, talvez satisfeita de ouvir Paul mencionar a capa da revista das imobiliárias de Nova York, estampada por Meryl; contudo, tem uma porção de tríplex de frente para o Central Park para vender, e parece estar mesmo cansada da vida a dois, ao menos com ele. Algumas sequências adiante, ao termo do baile da Fundação Nacional Contra o Câncer de Mama, de que foi a mestre de cerimônia, Meryl só quer ir para casa, e, claro, é surpreendida por Paul, que consegue persuadi-la, afinal, a sair com ele. A partir desse momento, a sintonia entre Sarah Jessica Parker e Hugh Grant é o que transmite à audiência a certeza de que Meryl e Paul vão acabar juntos, mas só ao fim de muitos contratempos, hilários uns, outros bastante artificiosos. O primeiro deles, dos forçados, é nada menos que o homicídio de um milionário, empurrado da sacada do palacete suspenso que pretendia adquirir, justo na hora em que os dois chegam. Não demora para que o assassino se encarnice deles, o que os obriga a se despachar para o Wyoming, valendo-se do Programa de Proteção a Testemunhas do FBI.
Nesse segmento, “Cadê os Morgan?” aporta no humor do absurdo, com passagens divertidas e outras quase constrangedoras, mérito e ônus que Parker e Grant dividem com Sam Elliott e Mary Steenburgen. Clay e Emma Wheeler, o xerife da cidade onde o casal de protagonistas vai morar e a esposa dele, são uma versão redneck dos dois neuróticos da Grande Maçã, com a diferença de que não tentam se passar por bem-resolvidos e nem fingem achar engraçadas as anedotas sobre Nova York de que só mesmo os nova-iorquinos gostam. A convivência do quarteto, até o desfecho adorável, é uma excelente surpresa num enredo sem rumo, mas que, de cabeçada em cabeçada, se define.
Filme: Cadê os Morgan?
Direção: Marc Lawrence
Ano: 2009
Gêneros: Comédia/Drama/Romance
Nota: 8/10