Achado precioso: o filme na Netflix que você não ainda viu e que vai tocar sua alma Divulgação / Damned Films

Achado precioso: o filme na Netflix que você não ainda viu e que vai tocar sua alma

“Gabriel e a Montanha”, dirigido e coescrito por Fellipe Barbosa, Lucas Paraizo e Kirill Mikhanovsky, narra os últimos 70 dias da vida de Gabriel Buchmann, um estudante brasileiro que desapareceu na montanha Mulanje, no Malawi, após uma jornada de quase um ano de viagens pela África, Ásia e Europa. O caso causou, na época, comoção nacional. A família de Buchmann mobilizou a mídia e a internet, ofereceu recompensa para quem encontrasse o jovem com vida e montou uma verdadeira força-tarefa que esgotou todos os recursos e aparatos possíveis. Gabriel foi encontrado 19 dias depois de ter desaparecido, já sem vida.

Fellipe Barbosa, amigo de infância de Gabriel, realizou um trabalho impecável de coleta de dados, fotos e arquivos e conversas diretas com as fontes, as pessoas com quem o rapaz de 28 anos passou seus últimos dias. A jornada de Gabriel também virou livro, escrito pela jornalista Alícia Uchôa e a mãe dele, Fátima Chaves de Melo Buchmann, que deu também apoiou a realização do filme.

Sensível, respeitoso e comovente, “Gabriel e a Montanha” não maquia a personalidade do rapaz, mostrando seu lado obstinado, teimoso, excessivamente autoconfiante e, até mesmo, as últimas discussões com a namorada sobre seu círculo privilegiado como ex-aluno das melhores escolas de sua cidade, além de ter se graduado em economia na PUC do Rio de Janeiro. Gabriel estava prestes a fazer um doutorado em Los Angeles, nos Estados Unidos, e aproveitava seus últimos dias de férias.

O material do filme é incrível. Barbosa teve acesso à e-mails, fotografias, ao diário de viagem e até encontrou diversas pessoas que ele conheceu durante sua jornada. Inclusive, são elas que interpretam a si próprias no longa-metragem, que contém elementos de documentário, como as vozes desses conhecidos que cruzaram caminhos com Gabriel contando suas experiências com ele e suas reações diante da notícia de sua morte.

É difícil não assistir ao filme e não se lembrar de “Na Natureza Selvagem”, de Sean Penn, que narra uma outra história real, mas desta vez do estadunidense Christopher McCandless, um jovem de classe média, que assumiu o pseudônimo de Alexander Supertramp e se tornou um aventureiro, explorando as entranhas da América selvagem, testemunhando paisagens naturais fantásticas, dormindo na companhia de estranhos e, como diria Thoreau, sugando o tutano da vida. McCandless (ou Supertramp) morreu após escalar montanhas e viver em um ônibus abandonado na floresta. Foi encontrado duas semanas depois de sua morte por inanição ou envenenamento, não se sabe ao certo.

Gabriel também foi encontrado já muitos dias depois de sua morte por fadiga e hipotermia. Também um garoto de classe média, tinha ideias similares com as de Supertramp. Seu doutorado seria em políticas públicas. Durante sua viagem, ele demonstrou grande empatia com os mais vulneráveis, se hospedou na casa de moradores e viveu não como um turista, mas como um local. Gabriel dedicou parte de seu orçamento da viagem para ajudar aqueles a quem conhecia em cada lugar que passou.

Supertramp, antes de morrer, deixou escrito em seu diário que “a verdadeira felicidade só existe quando compartilhada”. Uma lição que aprendeu nos seus últimos dias, os mais duros de sua existência, quando precisava de ajuda e companhia, mas não tinha, porque havia se isolado de todos. Gabriel, diante da morte, provavelmente sentiu o mesmo. A solidão é ainda mais cruel no momento do sofrimento físico. Como um escalador experiente, ele se sentiu confiante o suficiente para ignorar os conselhos de seu guia, que decidiu retornar justamente porque pressentiu que a viagem não seria mais segura a partir daquele instante. O obstinado, corajoso e um tanto quanto cabeça-dura Gabriel foi até seu limite, desafiou a natureza e perdeu a batalha.

“Gabriel e a Montanha” é um tesouro do cinema nacional e narra muito delicadamente esse belíssimo duelo entre um herói de carne e osso e a força mais devastadora do universo: a natureza.


Filme: Gabriel e a Montanha
Direção: Fellipe Barbosa
Ano: 2017
Gênero: Biografia/Drama/Aventura
Nota: 10/10

Fer Kalaoun

Fer Kalaoun é editora na Revista Bula e repórter especializada em jornalismo cultural, audiovisual e político desde 2014. Estudante de História no Instituto Federal de Goiás (IFG), traz uma perspectiva crítica e contextualizada aos seus textos. Já passou por grandes veículos de comunicação de Goiás, incluindo Rádio CBN, Jornal O Popular, Jornal Opção e Rádio Sagres, onde apresentou o quadro Cinemateca Sagres.