A história de amor da Netflix que não parece um filme, parece a vida Divulgação / Capelight Pictures

A história de amor da Netflix que não parece um filme, parece a vida

Nem sempre estamos prontos para as reviravoltas da vida, mas assim mesmo elas assaltam-nos sem pena, querendo que reajamos à altura. As mudanças que pensamos ser imprescindíveis para nossa felicidade revelam-se sem efeito — ao menos o efeito que esperávamos —, e quando se percebe que as transformações verdadeiramente salvíficas custam muito mais, o desespero campeia. A protagonista de “Amor a Três” está num ponto da vida em que parece diante de uma estrada que se desdobra em duas, em dez, em mil, tendo de escolher, antes de principiar a jornada, para onde vai. Depois de terminar um namoro longo com um homem de quem gostava — e de quem passa a sentir uma falta que não havia considerado devidamente — e renunciar a um emprego que também apreciava muito porque em desacordo com a “cultura” da empresa — essa a parte de sua desdita que realmente a afeta —, Daphne vai para o tudo ou nada, jogando-se de cabeça nas relações com dois amigos muito diferentes entre si, como se desejasse cobrar do mundo uma dívida que só ela vê, mas tendo primeiro de se acostumar a morar de favor na edícula da irmã.

O diretor-roteirista Drake Doremus vai aplainando as tantas camadas de Daphne, com Shailene Woodley burilando a operação ao contemplar sua personagem sob certos ângulos que só ela mesmo poderia encontrar. Daphne dirige até a casa de Billie, a irmã mais velha, de Lindsay Sloane, os pincéis tremelicando no console, na esperança de com eles ganhar algum dinheiro ministrando aulas de artes plásticas. A experiência como funcionária por quatro anos do LACMA, o Museu de Arte do Condado de Los Angeles, não ajuda muito, e a antimocinha de Woodley passa a considerar medidas tão radicais quanto equivocadas, até que, como num conto de fadas eivado de todos os vícios da contemporaneidade, é detectada pelo radar não de um, mas de dois príncipes bem desencantados. Ao cabo de algumas voltas, o texto de Doremus cede o merecido espaço aos dois galãs do filme, Frank e Jack, que Daphne conhece numa festa. Conforme a história toma corpo, ninguém duvida de que a ligação de fato se dá com Jack, o intelectual bonito, sofisticado, bem-resolvido e doce de Jamie Dornan, o antípoda perfeito do Christian Grey dos longas da franquia “Cinquenta Tons de Cinza”, com quem conversa sobre literatura, filosofia, a situação dos artistas no mundo hoje ou assuntos menos elevados, como a classificação de um restaurante recém-inaugurado. Por outro lado, é o sexo bestial com Frank, o típico casanova encarnado por Sebastian Stan numa reedição de Lance Tucker, o técnico de ginástica olímpica assediador de “Medalha de Bronze” (2015), de Bryan Buckley, o que lhe proporciona o sustento carnal necessário para evoluir no relacionamento com Jack.

No terceiro ato, os encontros e desencontros de Daphne, Frank e Jack — numa biblioteca pública, num café, num bosque mal-iluminado ao cair da noite — guardam cada qual uma reviravolta, bem trabalhadas pelo trio de atores. A bola, no entanto, fica mesmo é com Woodley e seu lindo monólogo em off sobre portas, chaves, derrota, vitória e, sobretudo, amadurecimento. Daphne não precisa de ninguém; só precisa aceitar isso.


Filme: Amor a Três
Direção: Drake Doremus
Ano: 2019
Gêneros: Romance/Drama
Nota: 8/10