A joia escondida na Netflix que você não pode perder e que é uma terapia para o coração Divulgação / UFO Distribution

A joia escondida na Netflix que você não pode perder e que é uma terapia para o coração

“Journey to Greenland” é mesmo uma viagem. Abusando da linguagem do documentário, principalmente nas sequências iniciais, o francês Sébastien Betbeder proporciona ao espectador um deleite visual que vai a pouco e pouco cedendo lugar a uma história densa, bem estruturada, que cativa e enternece a cada lance. A sensação de déjà vu dos falsos relatos jornalísticos — os mocumentários — de Michael Winterbottom em produções a exemplo de “Uma Viagem Excêntrica” (2010) não resiste a dez minutos de filme, tempo ao longo do qual Betbeder elabora a narrativa de um maior abandonado dedicado a refazer os laços com o pai, morador de Kullorsuaq, um vilarejo no município de Qaasuitsup, noroeste da Gronelândia, colonizado pelos inuítes, o povo originário do país, há mais de duas décadas, quando de bom grado abriu mão do frisson de Paris para congelar no tempo, com a licença do trocadilho. E ele está muito bem acompanhado.

Uma imensidão de branco num plano geral em plongeé situa o público no centro do roteiro do diretor, ainda que tudo reste incomodamente nebuloso. O enredo vai tomando corpo a milhares de metros do solo, dentro do helicóptero meio suspeito onde estão Thomas Alto e seu homônimo, Thomas Baixo. Os personagens de Thomas Scimeca e Thomas Blanchard — a repetição, claro, é proposital — abdicam de seus passeios pela Place Gambetta e pelo Boulevard de Ménilmontant para resgatar memórias de infância do Thomas Alto vivido por Scimeca, das quais o Thomas Baixo, de Blanchard, também faz parte. Betbeder insufla pequenos conflitos, como a súbita paixão de Thomas Alto por uma bela nativa e a dupla inadequação do tipo encarnado por Blanchard, duplamente perdido numa vida que torna-se mais e mais distinta da sua, fascinado, mas também contendo o desespero frente a uma terra onde o sol não se põe nunca, tentando voltar suas energias para a contemplação da rotina local, admirando as casas do assentamento, todas de madeira pintadas em cores vivas, espetáculo à parte no sem fim de gelo de uma esquina qualquer do Atlântico Norte com o Oceano Ártico. No meio do segundo ato, o diretor-roteirista começa a fazer girar o eixo da trama ao incluir Nathan, o pai de Thomas Alto, atrás de quem o filho e o melhor amigo dele cruzaram o hemisfério. François Chattot desvia todos os olhares na pele desse homem afetuoso, mas estranho, de uma alegria torta, sensível aos apelos de Thomas ao passo que permanece incólume em sua busca de si mesmo. Logicamente, existe algo de muito obscuro na natureza do personagem de Chattot, e malgrado Betbeder jamais diga do que se trata, dispõe de elementos cênicos como um maço de exames de raio X, além, claro, do vigor artístico do veterano para sugerir que o encontro de Nathan e Thomas veio na hora exata. E não foi tão duradouro assim.


Filme: Journey to Greenland
Direção: Sébastien Betbeder
Ano: 2016
Gêneros: Comédia/Drama
Nota: 8/10