Amores podem ser como perfumes, que evolam sem que se perceba, embora sempre deixem seu rastro de olores ora adocicados, ora cítricos, quase azedos; como cores, luminosas feito o sol numa tarde de verão, ou tão lúgubres e escuras que tingem de morte o que deveria sembrar apenas o existir mesmo. Sentidos, sensações e sentimentos são quase o mesmo em “Estações do Amor”, outra das boas produções asiáticas que espelham a um só tempo as mudanças da indústria cultural e as transformações sociais em escala muito mais ampla. O filipino Easy Ferrer demonstra com uma história densa, mas enxuta, despretensiosa, mas avessa a soluções fáceis, que o amor pode resistir a ameaças que qualquer um julga invencíveis, ficando de todo desguarnecido frente ao passar dos anos e a um gênero muito específico de frouxidão moral, que empurra-nos para o limbo das decisões irremediavelmente equivocadas. Essas percepções muito nossas do quão inadequado parece-nos o mundo que nós mesmos fizemos questão de criar, desprezando gostosamente nossos princípios e até o que temos de mais nosso e mais precioso, a intuição, nos aprisionam num estado de poesia que nunca vence a fronteira da imaginação, delírio que vai-nos tomando até não se possa admitir a vida de outro jeito. Contar uma história que procura a todo custo evocar na audiência uma mensagem de otimismo — a despeito da gravidade dos assuntos que aborda — pode ser uma missão cruel, uma vez que nem sempre alcança-se o equilíbrio perfeito entre leveza e reflexão. Mas Ferrer chega bem perto.
Uma garota afina seu violão azul e se aquece para mais um show em que a plateia está muito mais interessada em desvendar o cardápio e beber até cair que em sua voz serena e límpida, e tanto menos no que ela precisa dizer. Charlie Sofia Manansala tem muito das qualidades imprescindíveis ao todo astro que se preze, mas por razões que o texto de Dwein Balthazar sopra ao longo dos 109 minutos de execução, dá a impressão de estar condenada a permanecer no mesmo lugar por toda a vida, e não só na incipiente carreira. Se o público do Bar e Restaurante Donnalyn, no Roxas Boulevard, a larga avenida que atravessa a orla de Manila, desdenha o supino talento da moça, há quem acredite nela, começando por Lovi Poe, a atriz que a incorpora. Aos acordes iniciais, Charlie acrescenta as lágrimas que caem-lhe pelo rosto e por pouco não molham a tela do dispositivo em que lê as cifras de “Parceiro da Vida”, a linda e triste balada cuja letra ajuda a desmembrar o bem orquestrado argumento central, conduzido de modo a fomentar interpretações propositadamente errôneas. Ainda no monitor do tablet, um detalhe reforça o teor melodramático do roteiro de Balthazar, que o diretor é hábil em manter a salvo do ranço do exagero e da cafonice e preserva fresco, trabalhando os encontros fortuitos cada vez mais costumeiros de sua protagonista com quem talvez possa exorcizar seus fantasmas.
Do segundo ato ao desfecho, Carlo Aquino proporciona um excelente contraponto ao desempenho necessariamente conflituoso de Poe. Kurt Marcial Santos, o amor perdido de Charlie, oscila de uma aridez mais cortante para um menos inacessível, até que a última sequência, com a mocinha cantando no casamento do homem de sua vida com outra mulher — e, sobretudo, a cena que vem depois — dão margem para especulações acerca de um final feliz, ou não. Amar é, também, deixar que o outro parta.
Filme: Estações do Amor
Direção: Easy Ferrer
Ano: 2023
Gêneros: Drama/Romance
Nota: 8/10