Colorações ideológicas as mais nuançadas, profissões de fé com o céu por limite, visões de mundo incoerentes com o que vem se tornando a vida em sociedade: de tempos em tempos, somos todos acometidos de uma descrença fundamental no existir, que, ao menos naquela quadra de nossa história, redunda em atitudes quase escatológicas, tamanho o desespero com o caos que nos rodeia. “The Titan” é pouco mais que a junção de duas histórias, cada qual plena de suas idiossincrasias e seus apelos à razão do espectador quanto às nocivas interações do homem com o meio em que se insere, e, claro, às consequências mais deletérias desse fenômeno — o apocalipse, no pior cenário —, tomando o palco das grandes discussões fomentadas pelo cinema hoje. Em seu primeiro trabalho de fôlego, Lennart Ruff ratifica certas obsessões e as acrescenta a outras tantas, marchando na direção do absurdo e da certeza de que há alguma coisa de muito errado com o presente que, em pouco tempo, vai cobrar a fatura de nossa leniência criminosa oferecendo-nos um porvir intoleravelmente desafiador nos seus riscos, em que heróis de laboratório serão a resposta possível a dias de descrença e lamentos vãos. Aí é que entra o argumento central desse filme de cru pessimismo.
Em 2048, o planeta estará cercado por inimigos contra os quais talvez não possa. Ameaças de conflitos nucleares entre potências, a miséria de uma população que não para de crescer, a escassez de alimentos e de terra fértil para cultivá-los levam as autoridades a pensar em cenários outrora delirantes numa tentativa quase insana de autopreservação. É quando desponta no horizonte Titã, a maior das luas de Saturno, descoberta em 1655. Depois de quatro séculos orbitando sobranceira em sua quietude imperturbável, cientistas liderado pelo professor Martin Collingwood de Tom Wilkinson concluem que Titã é dotada de uma atmosfera compatível com a da Terra, além de dispor da considerável extensão de 5.149 quilômetros de diâmetro, área maior que a de Mercúrio. O roteirista Max Hurwitz investe no argumento de que seres humanos podem habitar qualquer recanto do universo desde que submetam-se a adaptações pontuais, e Collingwood desenvolve uma enzima azulada que modifica o código genético das cobaias que pretende expedir para o sexto planeta do Sistema Solar, por uma temporada de dois anos. Rick Janssen, piloto da Força Aérea que conseguiu manter-se vivo por três dias sem comer ou beber água depois que seu avião caiu na Síria, abatido por fundamentalistas islâmicos, é o homem certo para a missão, ainda que não saiba — nem ele nem ninguém — quais poderão ser os efeitos colaterais de uma metamorfose tão severa.
“The Titan” é um filme singular, com Sam Worthington num dos desempenhos mais irregulares da carreira — e ele costuma sair-se bem na pele de mocinhos atordoados, submergindo a dramas de consciência que resvalam em quem partilha de sua intimidade, a exemplo do que se assiste em “Fratura” (2019), dirigido por Brad Anderson —, cabendo a Taylor Schilling salvar a lavoura com Abigail, a esposa confusa e tanto mais perturbada, temendo pela integridade física e pela saúde mental do marido. Ruff tenta a imersão no fim próximo da humanidade como a conhecemos, o que Alex Garland faz em “Aniquilação” (2018), mas se desvia e fica como perdido numa galáxia distante, à espera dos bárbaros, quem sabe.
Filme: The Titan
Direção: Lennart Ruff
Ano: 2018
Gêneros: Ficção científica/Suspense
Nota: 7/10