Filme na Netflix fará você se contorcer no sofá e não te deixará piscar Divulgação / Universal Pictures

Filme na Netflix fará você se contorcer no sofá e não te deixará piscar

A vingança é sempre um excelente ponto de partida nas histórias sobre homens ávidos por reencontrar seu próprio eixo, caso de Grey Trace, o protagonista de “Upgrade: Atualização”. Orientado pelo desejo de retaliação, o anti-herói do filme de Leigh Whannell atira-se sem medo a uma jornada contra quem desestabilizou a harmonia do seu lar mediante um crime e quase acabou com sua vida, roubando-lhe primeiro a alma. A essa premissa inicial, soma-se o tempo, variável que homem nenhum pode bater, que avança a despeito de nossa insegurança e de nossas súplicas, não espera, não volta, e por isso mesmo, é matéria de tanto valor, especialmente quando se percebe que não há mais nada a ser feito diante de uma ultrajosa emboscada do destino. A onipresença do caos na vida de Grey, interpretado com convicção por Logan Marshall-Green, atira-lhe ao rosto a miséria de seu fracasso todo dia, até que a oportunidade de tentar outra vez, reparar o dano e infligir a devida pena aos responsáveis de fato torna-se uma possibilidade. O mundo não para de girar nunca, trazendo a essa figura entre sombria e irascível uma lembrança a cada volta, e ao passo que sente que refazer seu caminho é a grande e inesperada bênção em meio a tanta desdita, levar seu plano de desforra a termo é o imperativo moral de que se alimenta.

Ao longo de cem minutos, Whannell dispõe de boa parte dos chavões que apontam para o eterno conflito entre seres humanos e máquinas, conseguindo torcê-los com graça e leveza num primeiro momento, urdindo a base do enredo principal, o que a audiência já supõe uma explicação para certas reviravoltas no segundo ato e no desfecho. O diretor-roteirista explora o carisma de Marshall-Green de modo a fazê-lo o mais próximo de um sujeito comum, até simplório, trabalhando na garagem de uma casa suntuosa num Firebird, um automóvel bonito, mas sem qualquer coisa que o distinga de todos os outros carros que costumam circular na vizinhança, ao menos a uma análise rápida. Na sequência, fica-se sabendo que o Firebird — referência óbvia que esclarece que o veículo está muito mais no campo semântico da inteligência artificial que no da indústria automobilística —, não pertence a Grey, mecânico cujo talento não poderia dar-lhe condições de habitar um imóvel daquele padrão. Asha, a esposa, interpretada por Melanie Vallejo, fora conduzida por Kara, um bólido ainda mais sofisticado que Firebird, e aos poucos, Whannell dá margem para que enxerguemos em Grey e Asha uma relação desigual, em que ela é o homem da casa e o marido, um tanto deslocado, resigna-se em encarnar o papel do macho viril, cuja função não extrapola dados campos da sexualidade.

“Upgrade” entra no mote que dá azo ao filme quando o personagem de Marshall-Green vai até a casa do dono do carro, a fim de devolvê-lo, levando consigo a mulher, executiva na Cobolt, uma desenvolvedora de softwares de IA. Eron Keen, o tipo que os recebe como se lhes fizesse um enorme favor, preside a Vessel, uma empresa concorrente e muito maior, e no antagonista de Harrison Gilbertson está a chave para se compreender a desdita e a redenção de Grey, vítima de um acidente que o deixa tetraplégico e mata Asha quando os dois voltavam para casa a bordo de Kara. De luto, perdido, atônito, sem saber o que pensar e completamente imóvel a partir do pescoço, ele concorda em se tornar cobaia de uma terapia experimental que implica em instalar um microchip capaz de devolver-lhe os movimentos. Ele se recupera, mas não de todo, e é essa a onda que Whannell surfa a fim de imprimir a seu filme o lastro distópico que o torna menos esquecível.


Filme: Upgrade: Atualização
Direção: Leigh Whannell
Ano: 2018
Gêneros: Ficção científica/Ação
Nota: 7/10