Aplaudido de pé pela crítica, filme com Tim Blake Nelson acaba de estrear na Netflix Divulgação / Koch Media

Aplaudido de pé pela crítica, filme com Tim Blake Nelson acaba de estrear na Netflix

Bandidos de todos os coturnos têm experimentado um gosto de celebridade ao longo dos anos, ajudados pelas releituras históricas de determinados filmes que, além de falsas, fedem à mais descarada apologia ao crime. No Brasil, decerto “Tropa de Elite” (2007), dirigido por José Padilha, é o único filme a apresentar o submundo da ilegalidade ao espectador admitindo a existência de policiais honestos, cônscios de seu dever social e nada inclinados a seduções de quem quer que seja, da imprensa, da academia ou de certa elite. “Retorno da Lenda”, a começar do título, vai na direção oposta, glamorizando a figura de um ladrão de gado e de cavalos que, a pouco e pouco, foi estendendo e sofisticando seu raio de negócios escusos até acumular dinheiro o bastante para isolar-se num rancho em Baxter Springs, até hoje pouco mais que um vilarejo providencialmente esquecido pelas autoridades no extremo sul do Kansas, Centro-Oeste dos Estados Unidos. Isso é o que depreende-se da versão romanceada do filme de Potsy Ponciroli, um diretor tão low profile quanto talentoso, cujo roteiro adapta o pouco que se conhece acerca de William Henry Bonney (1859-1881). Billy the Kid, segundo os registros, morreu aos 22 anos incompletos, num tiroteio com Pat Garrett (1850-1908), o xerife de Lincoln, Novo México. Na versão de Ponciroli, Henry, também conhecido por ao menos outros quatro pseudônimos, como Virgulino Ferreira da Silva (1898-1938) ou Cristino Gomes da Silva Cleto (1907-1940), só entregou-se de parabelo na mão, creditando a algum deus ter podido resistir ao cerco dos homens da lei e atingir o começo de uma velhice que, presumia, não reservava-lhe mais grandes sobressaltos.

O diretor-roteirista abre seu filme com o que se supõe o anti-herói do filme sendo acossado por um trio de cavaleiros, óbvia alusão a “Três Homens em Conflito” (1966), o clássico do spaghetti western dirigido por Sergio Leone (1929-1989), representante maior do gênero e mestre do cinema, embora tenha-se invertido o sinal ideológico. Essa é a pista falsa que inaugura uma narrativa repleta de melindres, em que postulantes a mocinhos e rematados criminosos trocam de lugar sem cerimônia, valendo-se de prestidigitações sutis, quase diabólicas, que entorpecem o público. Sam Ketchum, o delegado-chefe de uma aldeia em Oklahoma, pergunta pelo Velho Henry a Curry, o suspeito que tinha alvejado e arrastara por bons metros pela pradaria, um dos lances mais apreensivos de um enredo que alterna-se entre o drama e o suspense com cálculo, mas com emoção, mérito de Stephen Dorff e Scott Haze. Naturalmente, a tensão do excelente prólogo não finda aí, e se alonga para um segundo ato meticuloso, no transcurso do qual Ponciroli elabora o perfil do tipo ensebado vivido por Dorff, que deveria assumir o posto de herói do longa, mas é, na verdade, um homem pragmático até a medula, frio e com um nítido pendor a crueldade. Ketchum domina boa parte de “Retorno da Lenda”, mas quando o antimocinho de Tim Blake Nelson aparece, com seus conflitos éticos e seus dilemas existenciais que nunca se resolvem, sabe-se exatamente quem é que manda. Não obstante seu fim nada auspicioso, traído por um homem a quem dava guarida.


Filme: Retorno da Lenda
Direção: Potsy Ponciroli
Ano: 2021
Gêneros: Drama/Ação/Suspense
Nota: 8/10