Segure-se no sofá: o filme eletrizante da Netflix que te deixará sem fôlego e com o coração na garganta

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O tempo avança — ou retrocede, a depender da perspectiva —, mas existem aquelas franjas da realidade que preservam-se exatamente iguais, como se congeladas no espaço que os anos reservam a verdades tão fortes que encerram-se em si mesmas. O francês David Oelhoffen não dá ponto sem nó com “Inimigos Íntimos”: ao passo que abraça as teorias existencialistas de Kierkegaard descaracterizadas por Beauvoir e Sartre, aproveita para também dar seus palpites acerca de quão poderosa seria a influência do que a vida faz de nós, sozinhos do berço ao túmulo, sobre o que a natureza insiste em nos transformar. Para tanto, lança mão de dois protagonistas, cada qual com carisma e importância próprios no roteiro que assina com Jeanne Aptekman, e desse modo, o filme vai-se tornando um estimulante mosaico com algumas das variações humanas menos óbvias que se pode conseguir, juntando-se a isso o componente mais determinante aqui, a onipresença da droga nos recônditos das sociedades de todo o mundo, chaga profunda cujo remédios parecem cada vez mais obsoletos.

No subúrbio de Paris, a polícia estoura um apartamento que serve de escritório a uma quadrilha que distribui cocaína para toda a França. Driss, o oficial da divisão de combate ao narcotráfico interpretado por Reda Kateb, submete sua equipe a um grande risco, mas acaba botando as mãos num bom número de criminosos, malgrado a impressão que fique é a de que todo esforço dos agentes há de resultar nulo, uma vez que, no mesmo instante, do outro lado da cidade, Manuel Marco, um tipo que oscila com a mesma desenvoltura entre o solar e o macabro, brinca com o filho, Ivan, de Noah Benzaquen, no estacionamento da penitenciária de onde Nouri, papel de Omar Salim, está prestes a ser libertado depois de cumprir pena, sob a acusação de ser um dos mandachuvas do grupo desbaratado pelo personagem de Kateb. Imrane Mogalia, o melhor amigo vivido por Adel Bencherif, o acompanha, e quando estao os três novamente reunidos, Oelhoffen e Aptekman passam então a elaborar o alcance do anti-herói de Matthias Schoenaerts, primeiro na recepção que os outros bandidos organizam em homenagem a Nouri, na casa de Raji, o comandante supremo da gangue, de Ahmed Benaissa; depois, levando Ivan de volta ao apartamento de Manon, a ex-mulher, personagem de Gwendolyn Gourvenec. Excetuando-se o fato de Driss também vir de um casamento fracassado e ter de compartilhar a guarda da filha, não existe mais nenhum ponto de contato entre os dois, e o diretor aproveita esse gancho com o propósito de estabelecer outras diferenças entre Driss e Manuel. Enquanto este não hesitou em desperdiçar cada uma das várias oportunidades com que regalou-lhe o destino quanto a uma vida decente, o primeiro teve de contentar-se com as migalhas que davam-lhe seus pais, imigrantes marroquinos que entraram na França clandestinamente. A performance de Kateb, que parece inclinar-se para o melodrama em dadas ocasiões, sempre recobra o leito a tempo, e quando comparada à aridez espiritual que Schoenaerts imprime ao antimocinho do filme, ganha ainda mais equilíbrio. É Manuel, aliás, quem justifica “Inimigos Íntimos” num desfecho violentamente melancólico, num acerto de contas que não respeita hierarquias.


Filme: Inimigos Íntimos
Direção: David Oelhoffen
Ano: 2018
Gêneros: Drama/Suspense
Nota: 8/10