Um dos cineastas mais aplicados de Hollywood, Paul Greengrass faz de “Voo United 93 ” um retrato preciso da sucessão de instabilidade e pânico em que os Estados Unidos mergulharam desde o 11 de Setembro, quando, em 2001, o terrorismo arreganhara os dentes para o mundo de maneira mais assustadora, deflagrando um episódio que, felizmente, continua a inspirar o repúdio da comunidade internacional e de mulheres e homens que prezamos pelos valores civilizatórios que nos possibilitaram chegar até aqui com alguma ordem, sem prescindir da liberdade e da segurança individuais. Quase tudo já se disse sobre o choque não de uma, mas de duas aeronaves contra as torres gêmeas do World Trade Center na Baixa Manhattan, coração de Nova York, além de uma terceira, destinada ao Pentágono, sede do Departamento de Defesa americano, nas imediações da capital Washington. Entretanto, a batida do quarto avião contra um campo aberto próximo a Shanksville, na Pensilvânia, nordeste dos Estados Unidos, às 10h03, depois da heroica tentativa de alguns passageiros e tripulantes quanto a subjugar os sequestradores e assumir o comando do voo 93 da United Airlines — justamente o capítulo dessa catástrofe odienta e quase nonsense sobre o qual sabe-se menos —, é o objeto de um estudo minucioso, em que Greengrass espinafra autoridades omissas e ineptas com tamanha classe que em nenhum momento ouvem-se seus nomes, ainda que se saiba direitinho quem são, ao passo que não se furta a mais uma vez abominar os expedientes desvairados de gente com uma ideia muito peculiar de Deus, uma entidade diabólica movida a rancor, intolerância, fúria e sempre ávida do sangue dos infiéis, chamados desse modo só porque atrevem-se a professar outras fés.
Quanto mais tenta aprofundar-se no que efetivamente aconteceu nos bastidores do maior ataque à soberania americana em seu próprio território, mais o diretor aumenta em nós a certeza de que havia e há alguma coisa muito errada com a América, sem nunca acenar para o isentismo hipócrita e covarde e sugerir que as vítimas — e a grande mártir de todas, a democracia ianque — tiveram alguma responsabilidade por seu suplício. A necessária contraofensiva institucional aos atentados, como já se imaginava que pudesse acontecer, derivou para abusos de toda ordem, inclusive contra civis inocentes, cenário cuja ignomínia pode muito bem ser comparada à dos ataques patrocinados pelo terror; Greengrass, todavia, elabora a noção do livre-arbítrio com muita sutileza, e se precisa ficar a todo instante avançando e retrocedendo no curso do filme, dramático, mas eminentemente jornalístico, para se ter a certeza inescápavel do que se está a ver. Logo na abertura, um homem reza e lê o Alcorão; pouco depois, barbeia-se e se arruma com esmero, convicto de que ainda naquele dia estará no Paraíso desfrutando de suas setenta virgens como pregara Muhammad (571-632), mesmo essa uma distorção miserável do que quisera o profeta do islã. A fisionomia serena de Khalid Abdalla até confunde o espectador, mas é Ziad Samir Jarrah (1975-2001), seu personagem, quem toma a frente da operação, invadindo a cabine do piloto, o capitão Jason M. Dahl (1957-2001), de J.J. Johnson, e empurrando o copiloto, 33 passageiros, seis comissárias de bordo e os outros três sequestradores para a morte brutal.
O diretor é hábil ao conduzir a dinâmica pela qual opta para levar a história, emparelhar os bastidores da catástrofe, com o desespero frenético dos controladores de voo em Newark, Herndon, Boston, Ronkonkoma e Cleveland, de onde saiu o Boeing N591UA 757-222 da United Airlines, à agonia de quem só percebe que foi implicado numa arapuca mortal faltando alguns minutos para o fim. Não houve sobreviventes em nenhuma das ocorrências, que redundaram na morte de 2.977 civis e dos dezenove sequestradores. Outras 6.291 pessoas restaram feridas.
Filme: Voo United 93
Direção: Paul Greengrass
Ano: 2006
Gêneros: Drama/Docudrama
Nota: 10