Não é exatamente fácil verter da literatura, manifestação artística que só se realiza com a união da palavra à ideia, histórias que, no audiovisual, passam a depender fortemente da imagem. Nessa transição, paradoxal e desde sempre pautada por equívocos, as perdas semânticas são inevitáveis uma vez que a materialização dos cenários que cada leitor tinha só para si na sua imaginação não pode corresponder às expectativas de todos. Embora tecnicamente perfeito, “O Tempo e o Vento”, padece desse mal incontornável dos filmes nascidos das páginas dos livros, mesmo adaptado por gente que conhece bem o meio. O texto de Letícia Wierzchowski e Tabajara Ruas entende bem as pretensões de Jayme Monjardim, conhecido pela grandiloquência que empresta a suas tomadas; contudo, o diretor não é capaz de juntar a esse seu precioso capital a substância dramática de que a prosa de Erico Verissimo (1905-1975) carece para conservar a fluidez necessária de um romance histórico distribuído em três volumes. Missão desabridamente inglória para quem quer que seja.
oferece uma leitura tão delirante quanto original da formação do Rio Grande do Sul em “O Continente”, “O Retrato” e “O Arquipélago”, o primeiro e o último alusões à geografia do Pampa; o segundo, uma abordagem intimista das figuras que movimentam um enredo pleno de idiossincrasias regionais, que, em muitos casos, não fazem lá tanto sentido para públicos de outras partes do Brasil, tanto menos hoje, 130 anos depois do princípio da história central. Não sem motivo, “O Retrato” fica no meio, como se apartasse contendores de uma guerra cruenta, é precisamente esta a seção que confere toda a relevância a “O Tempo e o Vento”: é aí que o autor insere seus personagens no contexto das peleias, das lutas que se travam ao longo de sessenta anos, uma sucedendo à outra com breves tréguas, e, por óbvio, com as idas e vindas que por si sós deixam mais instigantes trabalhos dessa natureza. Wierzchowski e Ruas optam por lançar mão das passagens mais vigorosas do livro no desfecho, quase nas derradeiras cenas, mencionando o lirismo contagiante de ao tomar partido da defesa de sua terra, ampliando esse doce libelo para o mundo inteiro, o que o define como um dos primeiros intelectuais comprometidos com a causa ambiental, não só no Brasil, mas em toda a América Latina. Ao cabo de sete décadas de publicado, em 1949 — os apêndices finais vieram a lume em 1962 —, pode-se dizer sem medo que “O Tempo e o Vento” serve para qualquer época, em qualquer país. Ou seja, nasceu clássico.
Monjardim, por seu turno, recheia o filme com cenas bem dirigidas, explicando o conflito entre republicanos presidencialistas e federalistas, favoráveis ao parlamentarismo, que degringolou numa guerra civil cujo resultado foram mais de dez mil mortos. Na esteira dos combates, o amor do capitão Rodrigo Cambará, forasteiro abatido numa das batalhas e aparece em espírito, e Bibiana Terra, nascida numa das famílias mais tradicionais do Sul do Brasil, dá alma aos relatos das eternas ofensivas e contraofensivas, com Thiago Lacerda e Fernanda Montenegro em performances corajosas.
Filme: O Tempo e o Vento
Direção: Jayme Monjardim
Ano: 2013
Gêneros: Drama/Romance
Nota: 8/10