Último dia para assistir na Netflix a obra-prima de Steven Spielberg Divulgação / Universal Pictures

Último dia para assistir na Netflix a obra-prima de Steven Spielberg

A salvação, essa enigmática responsabilidade que cada ser humano assume conforme seus próprios critérios, revela-se um fenômeno de intensa subjetividade. O arrependimento sincero e a subsequente renovação de uma vida outrora manchada por falhas e contratempos podem gerar uma metamorfose incrível no indivíduo. Esse processo individual, embora possa parecer insignificante, é muitas vezes o motor de grandes transformações sociais. Essa é a história de improváveis heróis, pessoas comuns que, apesar de seus defeitos, se tornam extraordinárias ao abraçar o papel de benfeitores ou amigos da humanidade.

Essa essência é habilmente capturada no filme “A Lista de Schindler”, aclamado por críticos como o trabalho mais pessoal do renomado diretor Steven Spielberg. O longa aborda a história de Oskar Schindler, um empresário checo bem relacionado com líderes nazistas, que emprega judeus em sua fábrica durante a ocupação do Gueto de Cracóvia na Segunda Guerra Mundial.

Emoldurado como um anti-herói — um mulherengo, astuto e amoral —, Schindler é retratado com um discernimento notável para negócios e política. Ele se afilia ao Partido Nacional-Socialista, não por ideologia, mas por vislumbrar uma oportunidade lucrativa. Schindler, a despeito de seus defeitos, logo abre uma fábrica de panelas esmaltadas, utilizando mão-de-obra majoritariamente judia.

Porém, ao contrário dos retratos idealizados de salvadores do mundo que permeiam os livros de História, Schindler era um homem de negócios guiado por seus próprios princípios éticos. Em uma trama rica em detalhes, Spielberg revela o lado verdadeiro de Schindler: um homem que, apesar de suas boas intenções aparentes, visava principalmente ao lucro. Ele se muda para Cracóvia, no sul da Polônia, buscando aproveitar a abundância de mão-de-obra judia barata, oferecendo em troca uma proteção legal que, na prática, nem sempre era garantida.

A performance cativante de Ben Kingsley, que interpreta Itzhak Stern, contador e secretário particular de Schindler, acrescenta profundidade à história. Spielberg dedica tempo para explorar a relação complexa entre Stern e Schindler enquanto compilam a famosa lista, marcando a destinação de 1.200 judeus, mais tarde conhecidos como “judeus Schindler”.

Apesar de seu enfoque nos negócios, Schindler emergiu como um dos grandes benfeitores da história, salvando mais de mil judeus da perseguição nazista. Ao longo do processo, ele passou por prisões e perdeu sua fortuna devido à queda na produção e aos seus próprios hábitos extravagantes.

Filmado em preto e branco, o único elemento colorido é o casaco vermelho de uma menina, uma simbologia poderosa escolhida por Spielberg para representar as vítimas do Holocausto. Essa menina do casaco vermelho, assim como o nazismo, são fatos incontestáveis da história, por mais que alguns ainda tentem negá-los, indo contra as evidências.

A história da jovem, cujo casaco vermelho se destaca em um mar de cinza e preto, é uma referência direta e dolorosa às mais de seis milhões de vidas judias aniquiladas pela brutalidade nazista. Spielberg, nascido um ano após o fim da Segunda Guerra Mundial e de origem judaica, poderia ter sido uma dessas vítimas. Essa conexão pessoal do diretor com a história intensifica sua dedicação em retratar o terror do Holocausto de maneira autêntica e respeitosa.

Com este olhar meticuloso, Spielberg navega pelos labirintos sombrios da monstruosidade de Hitler, explorando aspectos até então negligenciados no cinema. “A Lista de Schindler” não apenas exalta a humanidade e a coragem de Oskar Schindler, mas também relembra ao mundo a crueldade e a barbárie que a humanidade é capaz de perpetrar.

Em resumo, “A Lista de Schindler”, além de ser uma obra-prima do cinema, é uma ode à salvação, ao arrependimento e à transformação pessoal. Uma história de improbabilidades, tanto do homem comum transformado em herói, quanto da brutalidade transformada em oportunidade de resgate e humanidade.


Filme: A Lista de Schindler
Direção: Steven Spielberg
Ano: 1993
Gêneros: Biografia/Drama
Nota: 10

Carlos Willian Leite

Jornalista especializado em jornalismo cultural e enojornalismo, com foco na análise técnica de vinhos e na cobertura do mercado editorial e audiovisual, especialmente plataformas de streaming. É sócio da Eureka Comunicação, agência de gestão de crises e planejamento estratégico em redes sociais, e fundador da Bula Livros, dedicada à publicação de obras literárias contemporâneas e clássicas.