Um mesmo jeito de se fazer cinema pode resultar em duas possibilidades: o imediato reconhecimento pelo espectador de um conjunto de qualidades e defeitos do que vai se cristalizando como uma escola, ou uma pecha, um estigma, um anátema, que adere rápido a qualquer produção que apenas sugira o desejo de se mencionar experiências anteriores na mesma direção. “A Mãe do Ano”, de Mateusz Rakowicz, replica tudo quanto os filmes poloneses têm mostrado, pincelando de longe em longe o que o novo roteiro, aqui a cargo de Rakowicz e Łukasz M. Maciejewski, tem a apresentar, esse, sim, um bom critério quanto a se fazer uma avaliação honesta acerca do que o enredo pretendeu dizer, ora com sutileza, ora empenhando toda a aposta no que o público absorve de uma maneira quase compulsória —o expediente mais usual.
Um começo auspicioso, com elementos do noir numa mistura de Hitchcock e John Carpenter, fica um tanto mais assombroso com a participação do locutor da Rádio Província, que enchendo de algum som o vazio de uma rua deserta, anuncia que passa da meia-noite e já é Dia das Mães, “a data para se homenagear as mulheres mais importantes de nossas vidas”. A câmera passeia pelo cenário até encontrar a fachada de uma loja de bebidas iluminada pela luz verde fosforescente que teima em se derramar com maior ou menor intensidade ao longo do pouco mais de hora e meia de filme, acerto do diretor de fotografia. O texto de Rakowicz e Maciejewski começa a enveredar para terrenos mais pantanosos algumas cenas depois, quando um personagem aparece com dizeres ambíguos na camiseta, o que dá azo para que a protagonista — que já havia entrado em cena na introdução acelerada (e confusa) — mostre a que vem. Nina Nowak, major do grupamento de Operações Especiais da OTAN, não esconde uma certa inadequação com o mundo e, claro, com seu país, mesmo depois de servir em alguns confrontos armados por razões as mais diversas, justas ou nem tanto, e o diretor faz questão de atirar mais lenha à fogueira ao situar Nina diante da própria sepultura, erigida dezoito anos atrás a fim de abrigar o corpo de uma guerreira que tombou pelo bem da pátria. Há quase duas décadas, portanto, essa mulher vaga como um espectro em busca de um corpo em que possa tornar à vida. Seu maior desassossego pode estar próximo do fim ao saber que Max, o único elo com a parte de sua vida de que ainda se orgulha, precisa dela.
Agnieszka Grochowska e Adrian Delikta partilham os bons lances de “A Mãe do Ano” conforme questões paralelas como xenofobia, racismo e crime organizado saem do foco e se dá preferência ao que o título insinua. Max, um garoto negro, fora adotado por um casal de brancos, e, ainda assim, continua sendo hostilizado em ocasiões diversas — a sequência em que o personagem de Delikta é perseguido por marmanjos em capuzes líquida qualquer possível dúvida a respeito da intolerância racial na Polônia hoje, aos olhos de Rakowicz, e também sob sua perspectiva, só mesmo uma mãe deixa as catacumbas do tempo e de uma história de que não mais se orgulha em socorro do filho, já crescido, mas indefeso. Na última cena, a um só tempo cômica e reflexiva, se sabe que Nina não é tão autossuficiente quanto se pensa. Mas também conta com sua brava defensora.
Filme: A Mãe do Ano
Direção: Mateusz Rakowicz
Ano: 2023
Gêneros: Ação
Nota: 8/10