Sydney Pollack (1934-2008) era um homem dado a celebrar o amor. Nos 42 filmes que rodou, o diretor sempre achava um jeito de destacar o envolvimento amoroso de seus personagens, dando ênfase a tudo quanto pudesse haver de absurdo, de flagrantemente ilógico e mesmo de destrutivo no sentimento que define a natureza humana, que a diferencia de qualquer outra espécie, que a salva e que a condena. “Destinos Cruzados”, com sua aura entre o nonsense e o ingênuo, resume bem a obra de Pollack, que sabia como poucos extrair o que de melhor seus atores tinham a oferecer ao público em histórias repletas de um lirismo que parece apagar-se à medida que novas linguagens se estabelecem, mas que, outrossim, reinventam-se na hora certa.
Nada é o que parece em “Destinos Cruzados”. Já nas primeiras cenas, Pollack reproduz o espírito de um noir em que o espectador é preparado para defrontar-se com figuras igualmente sombrias, ariscas, tal como se passa no livro de Warren Adler (1927-2019) em que o filme se baseia. Darryl Ponicsan e Kurt Luedtke (1939-2020) fazem adaptações pontuais no roteiro a fim de melhor acomodar a história passados quinze anos da publicação do romance, mas aparelhos eletrônicos que acusam a modernidade possível de um quarto de século atrás não roubam a graça do enredo, mesmo que, alta madrugada, um telefone não se furte a tocar obstinadamente, deixando o público ressabiado quanto ao infortúnio trazido no mote central. Os solos de saxofone da trilha assinada por Dave Grusin, também uma boa pedida em histórias como essa, servem para a prolongar a aflição dos protagonistas, que só se encontram na virada do primeiro para o segundo ato, em grau mais ou menos equivalente. Enquanto esse momento não chega, Bill van den Broeck, um policial reconhecido pela seriedade, tenta dar um tiro certo no casamento com Peyton, de Susanna Thompson, mas se estivermos mesmo concentrados nas pistas que Ponicsan e Luedtke nos oferecem, já pudemos notar que não há salvação para eles. Astutamente, o diretor toma o cuidado de mencionar a outra ponta com que pretende juntar o entrecho inicial, quase monopolizado por Dutch, o holandês, como o sargento Van den Broeck é chamado entre seus pares no departamento de polícia de Washington, e a tragédia que deixa sua vida um tanto mais melancólica é um argumento bastante persuasivo — não obstante eivado de lances desabridamente insultuosos — para virar a chave.
Por falar em convencer, Harrison Ford está um ou dois tons acima na escala do tira durão que não desaba nem em recebendo uma voadora como as que só mesmo o destino sabe aplicar, até lembrando Arnold Schwarzenegger em algumas ocasiões — isso poderia ser um elogio, mas não é. Quando a narrativa entra, afinal, em seu cerne, e faz com que, de acordo com que sugere o próprio título, sua sorte atravesse o caminho de Kay Chandler, a deputada republicana que se vê forçada a administrar um drama pessoal (que, por óbvio, degringola num escândalo público) em meio a uma nova campanha — há uma subtrama cheia de insinuaçõezinhas tolas aqui —, o filme não torna-se exatamente leve, mas a forma como conduz sua personagem garante que se mantenham as várias revelações algo inesperadas da história sem que o longa se transforme sem querer numa farsa sobre a hipocrisia por trás de gente que deveria encerrar alguma moral. Detalhes quase menores, a exemplo de Pollack, dedicado numa participação afetiva interpretando o conselheiro da viúva que Dutch não perde a oportunidade de consolar, decerto têm mais sabor.
Filme: Destinos Cruzados
Direção: Sydney Pollack
Ano: 1999
Gêneros: Romance/Drama
Nota: 8/10