Último dia para assistir na Netflix: o filme de ação, amado e odiado, que é uma festa para os olhos Cho Won Jin / Netflix

Último dia para assistir na Netflix: o filme de ação, amado e odiado, que é uma festa para os olhos

O Oriente se iguala ao resto do mundo em alguns aspectos e o mais evidente deles, claro, diz respeito ao homem e suas desmedidas ambições. Exposta até nós mangás, as histórias em quadrinhos japonesas, a política e suas distorções foram muito bem dissecadas por Mamoru Oshii em “Kerberos Panzer Cop”, saga publicada entre 1988 e 2000, e replicada no cinema em “Jin-Roh: The Wolf Brigade” (1999), de Hiroyuki Okiura. Passadas mais de duas décadas, Kim Jee-woon propõe um desdobramento da série de gibis de Oshii e do filme de Okiura em “Illang: A Brigada Lobo”, centrando esforços quanto a aprofundar-se na geopolítica da Coreia da maneira mais descontraída possível, aproveitando justamente os elementos fornecidos pelos dois trabalhos anteriores. Kim aborda assuntos espinhosos da história tão sui generis da Coreia, um território situado na península de mesmo nome ao nordeste da Ásia, composto por duas nações soberanas ao norte e ao sul, desde sempre habituadas a tensões que agravaram-se sobremaneira a partir de 1950, quando da eclosão de uma sequência de conflitos armados ao longo dos quais os exércitos do Norte invadiram a porção meridional. À estrutura factual de seu roteiro, escrito com Jeon Chul-hong, o diretor acresce o componente da ficção científica mesma citando exércitos que se enfrentam nos submundos numa região periférica dessa fatia do continente.

Em 2024, como explicam Kim e Jeon, amanhã portanto, a hegemonia política da Ásia e abalada. A reunificação das Coreias é uma possibilidade iminente, desejada por uns e rechaçada com violência por outros. Os que não veem com bons olhos a volta a um tempo de paz só aparente congregaram-se na SECT, uma organização paramilitar que enfrenta em condições bastante equivalentes a Unidade Especial, responsável por patrulhar as ruas valendo-se de soldados em pesadas armaduras de aço que os transformam em verdadeiras máquinas de matar. A fotografia e a trilha de Mowg encarregam-se de incluir o espectador numa história densa, mas orgânica, plena de detalhes cuja percepção define como o enredo pode ser absorvido de modo menos traumático. Uma das escolhas de Kim para tanto é apresentar a pletora de tipos que vão aderindo à trama por meio de legendas numa tela negra; uma das poucas que escapam à regra é Lee Yun-hee, provável irmã de uma garota morta num dos inúmeros conflitos entre o batalhão das trevas e a força luminosa — a estética dos personagens em dados momentos lembra muito “Guerra nas Estrelas”, a propósito. A narrativa dá um salto cronológico brusco para 2029 e agora a mocinha de Han Hyo-joo personifica a inocência das novas gerações, forçadas a crescer num ambiente contaminado por uma guerra fratricida que não entendem, e nesse movimento, o diretor se aproveita de um objeto que pertencia à finada para exacerbar o macabro em seu filme, muito bem contraposto pelo ar de Chapeuzinho Vermelho da nova protagonista.

A passagem de tempo decerto não é dos méritos mais valorosos de “Illang: A Brigada Lobo” — além de meninas se tornarem mulheres experientes e amarguradas em cinco anos, os carros permanecem os mesmos, o padrão arquitetônico dos edifícios se mantém e não se enxerga quaisquer mudanças de vulto na cultura pop e no vestuário (na Coreia!) —, bem como as sequências de tiroteio, que mais parecem sessões de paintball; entretanto, há que se reconhecer o esmero de Kim Jee-woon em encarar polêmicas que se estenderam por boa parte do século 20, sentidas de um jeito muito mais ameno por quem está na outra metade do globo.


Filme: Illang: A Brigada Lobo
Direção: Kim Jee-woon
Ano: 2018
Gêneros: Ação/Ficção científica
Nota: 8/10