O filme mais perturbador (e emocionalmente envolvente) que você verá na Netflix Divulgação / Netflix

O filme mais perturbador (e emocionalmente envolvente) que você verá na Netflix

Jovens, em especial os do sexo masculino, apresentam uma propensão biologicamente natural para se meter em confusão, e “Código de Silêncio” vale-se dessa premissa a fim de alcançar objetivos nobres. Roupas muito largas ou justas demais, cabelos extravagantes, penduricalhos espalhafatosos, música barulhenta e, o mais importante, o anseio por liberdade — às vezes sem a justa contrapartida e sem o devido merecimento — marcam uma fase definida por choques e desencontros, sobretudo quando uns poucos privilegiados chegam à universidade num país em que cursar o ensino superior, como em todas as outras situações, demanda empenhar uma montanha de dinheiro. Se esses sortudos são negros, então, qualquer sacrifício entra na conta para não botar a fortuna a perder.

Diretores com visões de mundo com um tênue ponto de contato entre si, a exemplo de Richard Linklater e Andrew Neel já trataram do assunto, em “Jovens, Loucos e Mais Rebeldes” (2016), e “O Trote” (2016), respectivamente, mas o justo viés racialista adotado por Gerard McMurray deixa evidente a necessidade de se abrir o leque para uma outra compreensão do problema, mais urgente porque desconhecida, mais grave porque muito mais perigosa. O texto de McMurray e Christine T. Berg recorre com frequência ao comentário racialista a fim de sustentar o argumento de que afro-americanos só contam mesmo uns com os outros, e é essa lógica a primeira a cair tão logo os rapazes liderados por Zurich se deparam com a obrigação de filiar-se a uma irmandade, mistura de grêmio estudantil e diretório acadêmico, uma legítima instituição na América. Os veteranos alardeiam as supostas virtudes das irmandades a que pertencem, e os Lambda, segundo eles, são líderes natos, eruditos, honrados, orgulhosos de sua capacidade de manter o rebanho unido. Zurich, encarnado por Trevor Jackson com os meios-termos de uma personalidade vacilante, tem um propósito a mais que os demais novatos para tolerar o cerco inclemente dos alunos mais velhos, negros como ele: décadas antes, o pai houvera por bem denunciar os trotes abusivos de que era vítima e acabou estigmatizado com a pecha de covarde e traidor. A sequência em que o personagem de Jackson tenta apiedar o reitor Dean Richardson, de Steve Harris, e ouve dele uma espécie de sermão às avessas, com tudo quanto de mais ultrapassado pode conter a ideia de virilidade, é um resumo cirúrgico do que McMurray e Berg quiseram transmitir num filme apropriadamente seco, malgrado a montagem estimulante de Evan Schrodek e a trilha swingada, a cargo de Kevin Lax.

O protagonista mostra-se algo menos suscetível à influência dos veteranos já no encerramento, quando o pior já aconteceu, contando, quem sabe, com a interferência da professora Hughes, de Alfre Woodard, sempre irretocável — e que some da história sem prévio aviso, a falta capital do filme. Se imbricadamente amalgamados no início, o bem e o mal se distinguem um do outro como o joio e trigo no desfecho. “Código de Silêncio” é uma trama em que a pulsão de morte parasita a energia de garotos musculosos, mas fracos de espírito, bem ao gosto do que reza a filosofia dos nossos tempos, acima e abaixo do Equador.


Filme: Código de Silêncio
Direção: Gerard McMurray
Ano: 2017
Gêneros: Drama
Nota: 8/10