Um dos filmes mais caros e subestimados da história do cinema está na Netflix e você não assistiu Matt Kennedy / Netflix

Um dos filmes mais caros e subestimados da história do cinema está na Netflix e você não assistiu

Dentre os poucos consensos em perspectivas de gente com ideologias as mais variadas, o mais espaçoso é o que crava a sensação de que o mundo caminha mesmo rumo a uma onipresente intolerância, que concorre para batalhas campais que atravessam os anos sem que ninguém saiba muito bem por que está matando e morrendo. “Bright”, a distopia de David Ayer versa sobre o tema de um modo original, malgrado o assunto passe longe de ser inédito em produções de todos os gêneros na já vasta trajetória do cinema. Ayer, contudo, dá um jeito de levar o principal conflito de seu filme sem entregar seu desiderato de uma vez, apresentando sequências paradoxais entre si, até confusas, de caso pensado. O que lhe importa é fazer com que a discussão sobre a falta de discussão deixe as sombras, e quando isso acontecer definitivamente, com toda a aderência necessária, talvez histórias como essa tornem-se ficção.

No transcurso da prolixa introdução, o diretor faz o anúncio de uma certa profecia, a partir da qual encadeia frases que apregoam o tratamento incivil e mesmo perverso dispensado aos orques numa Los Angeles tomada pela paranoia. Esses seres monstruosos dos contos de fantasia medieval do folclore germânico que insurgem-se contra o que a civilização aprendeu a chamar de bem foram obrigados a contentar-se em frequentar somente os lugares que os seres humanos lhes autorizam, marginais inclusive na periferia sul da cidade, povoada pelos elfos. O roteiro de Max Landis vai pontuando os sutis pormenores que distinguem as inúmeras criaturas que excedem a natureza humana, fazendo questão de tachar os orques como as mais desprezíveis, aos olhos dos cidadãos comuns e da maioria esmagadora dos policiais. Nicholas Jakoby poderia ser a honrosa exceção, mas não tardam a pipocar as cenas em que o personagem de Joel Edgerton é submetido a espinafrações públicas por parte dos colegas.

No meio do fogo cruzado, Daryl Ward tenta manter cada pé numa canoa, ou seja, manifestar solidariedade ao pleito dos outros tiras de escorraçar os orques dos quadros da corporação, sem sujeitar Jakoby a humilhações desnecessárias — embora ainda tenha pesadelos com o dia em que fora alvejado por um gângster numa feira de rua em meio ao fumo denso das barracas de comida. Ayer elabora a conturbada relação do mocinho de Will Smith e do anti-herói de Edgerton fugindo dos chavões que poderiam redundar num dramalhão invencível pela via dos enfrentamentos constantes entre Ward e Jacoby, com franca vantagem para o primeiro. No meio do segundo ato, entra em cena a elfa Leilah, a líder dos inferni vivida por Noomi Rapace, a fim de corroborar que a filosofia do homem realmente não alcança todos os segredos que pairam entre o céu e a terra.


Filme: Bright
Direção: David Ayer
Ano: 2017
Gêneros: Fantasia/Crime/Ação
Nota: 8/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.