Desligue o cérebro e divirta-se:  filme com Schwarzenegger, na Netflix, vão fazer seu coração sair pela boca Divulgação / Lionsgate

Desligue o cérebro e divirta-se:  filme com Schwarzenegger, na Netflix, vão fazer seu coração sair pela boca

Goste-se ou não, Arnold Schwarzenegger é uma grife, e “O Último Desafio” o comprova. Ao cabo de uma passagem controversa como governador da Califórnia, marcada por altos e baixos, Schwarzenegger até cogitou a ideia de retirar-se do cinema, mas capitulou, e como se vê no longa do sul-coreano Kim Jee-Woon, então um novato em Hollywood, o ator ainda tem lenha a queimar. Ninguém melhor que ele para encarnar a figura do homem destemido, que deixa sua Áustria natal para fazer a América trazendo na bagagem pouco mais que o sonho de dar certo. Essa imagem acompanha-o desde sempre, e ele, espertamente, sempre soube tirar dela todo o proveito que conseguisse — em especial depois de ter contado com o beneplácito das urnas.

Em “O Último Desafio”, o ideal quase farsesco do sonho americano, que não pode manter-se sem seus heróis, recebe a demão de verniz que prolonga indefinidamente sua validade sob o ponto de vista da atividade policial mais corriqueira e mais próxima da realidade do cidadão comum. Na abertura, o roteiro de Andrew Knauer coloca um policial sozinho numa viatura, sem deixar de fora o surrado clichê da rosquinha, ouvindo no rádio “Blue Moon”, a balada de Richard Rodgers (1902-1979) e Lorenz Hart (1895-1943), composta em 1934. Como se verá depois, ele se chama Jerry Bailey, entrou na corporação faz pouco, mas já está um desapontado com a monotonia de seu novo ofício, e com toda razão: até agora, o caso mais excitante foi o do gato medroso que teve de resgatar de uma árvore. Bailey, o personagem de Zach Gilford também terá um bom motivo para se arrepender de ter desejado queimar etapas, mas enquanto seu destino não é selado, ele dedica-se a patrulhar as estradas vicinais que unem Las Vegas e Somerton Junction, no Arizona, sudoeste dos Estados Unidos, como se disso dependesse sua própria vida — e, na verdade, depende mesmo. O radar detecta um motorista voando a 317 quilômetros por hora, ele comunica sua base e, então, o filme começa.

O desfile cívico, com direito a fanfarra e tudo, em homenagem aos mártires do condado que morreram em combate — Knauer não diz ao certo quem são ou quais foram essas batalhas, mas isso não chega a ser um problema —, interrompe por algumas horas a letargia de Somerton, e conta com a presença ilustre de Ray Owens, o xerife, recebido sem muita gentileza pelo prefeito, um tipo balofo e meio janota vivido por Titos Menchaca. Os dois quase se estranham por causa do Camaro vermelho do personagem de Menchaca, estacionado na vaga reservada aos bombeiros, mas o episódio passa mesmo como registro de mera antipatia mútua entre dois senhores — no desfecho, o carro ganha um destaque que certamente melindrou o próprio elenco. Owens, feito sob medida para o mocinho mal-encarado de “O Exterminador do Futuro” (1984), levado à tela por James Cameron, contém o tráfico de drogas nas cercanias de Somerton ajudado muito mais pelo bólido que pega sem pedir licença que por sua equipe, ao menos quando o caldo entorna de verdade. Contudo, Schwarzenegger faz, sim, um bom trabalho em “O Último Desafio”, que surpreende também pelo raro bom desempenho de Johnny Knoxville na pele de Lewis Dinkum, dono de uma espécie de parque de diversões bélico, num personagem que refuta a autorreferência.


Filme: O Último Desafio
Direção: Kim Jee-Woon
Ano: 2013
Gêneros: Ação/Faroeste
Nota: 7/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.