O filme da Netflix que fará você repensar sua vida atual e o quanto mudou desde os 18 anos

O filme da Netflix que fará você repensar sua vida atual e o quanto mudou desde os 18 anos

O tempo passa, mas o que é bom, o que de fato tem valor e merece ser rememorado fica — às vezes para sempre, às vezes, nem tanto —, assim como fica também a obsessão dos diretores em nos esfregar no rosto a ideia de que no passado, sim, éramos felizes. O mais novo membro desse clube dos saudosos confessos é o sueco Jonatan Etzler, que com “Tudo de Novo, Mais Uma Vez” retoma todos os arcaicíssimos chavões do subgênero, conseguindo a mágica de nunca deixar ninguém entediado, e quase até arranca uma furtiva lágrima de quem vence seus atávicos preconceitos originais. Cheio de boas metáforas e piadas metalinguísticas, o despretensioso trabalho de Etzler até pode vencer pelo cansaço, mas antes disso, o que se tem é bom entretenimento com pinceladas de alguma filosofia, nessa ordem, sem maiores consequências.

O roteiro das irmãs Sofie e Tove Forsman, definitivamente, passa longe de ser inventivo — no segundo ato, a trilha sonora escolhida por Adam Nordén dá uma pista sobre de onde terá surgido a inspiração para o enredo —, o que, neste caso, conta a favor de “Tudo de Novo, Mais Uma Vez”. O diretor sabe muito bem como desarmar a fórmula previsível da mulher no começo de uma meia-idade cheia de percalços, a despeito do gênero que alguém tenha ou com o qual se identifique mais, e que, tolamente, deseja com todo o ardor retroceder mais de duas décadas no curso da vida — só concebo que alguém desenvolva esse grau de paranoia no caso ou de levar uma vida miseravelmente falta de sentido ou de sofrer de uma imaturidade paralisante, e tanto nesta quanto na primeira circunstância, deve receber atenção psiquiátrica urgente. Etzler o faz mirando Amelia, a protagonista interpretada por Hedda Stiernstedt, de igual para igual, ou por outra, se Amelia comporta-se como criança (ou adolescente, o que, não raro, dá no mesmo), enxerguemo-la como tal. Um primeiro flashback bem conduzido, sem dúvida a marca registrada do filme, mostra a personagem de Stiernstedt como a garota mais descolada de Skåberga, no interior da Suécia, outra de suas ideias fixas. Na próxima tomada, Amelia, aos quarenta anos, se vê em palpos de aranha no trabalho, no qual tem o suporte da chefe, de Klara Zimmergren, mas lida mal com a questão e é demitida, mas logo a seguir, esclarece que ela mesma se retira do posto. Tanto num cenário como no outro, Amelia está completando anos, mecanismo retórico que, além de prescindível, congela um pouco o ritmo da história. Aos poucos, torna-se evidente a descompensação mental de que se falou anteriormente, sem que se sinta pesar a mão em nenhum momento. Como toda pessoa patologicamente a lidar com suas falhas, a moça vai parar no balcão da lanchonete de Max, o ex-namorado vivido por Qalil Ismail — há outras menções a drogas, ilegais, mas nada que inviabilize o lazer conjunto de pais e filhos. Já visivelmente bêbada, entra Fiona, de Miriam Ingrid, a ex-melhor amiga, com quem compartilhou uma certa cápsula do tempo, enterrada pelo de uma estrada sossegada, mas traiçoeira, na qual as duas guardaram seus desejos para o futuro.

A trama começa a fazer sentido mesmo quando Etzler confessa ele mesmo as suas neuras, como a recorrente alusão a “Feitiço do Tempo” (1993) ainda hoje o longa definitivo sobre avanço e retrocesso, no tempo e na vida, dores do crescimento, mágoas, conversão e assuntos correlatos — muito mais que os primos “Peggy Sue – Seu Passado a Espera” (1986), dirigido por Francis Ford Coppola, ou “De Volta para o Futuro” (1985), levado à tela por Robert Zemeckis. Não por acaso, é no filme de Harold Ramis que Amelia encontra a chave para vencer a sina de ter dezoito anos para sempre (“cuidado com o que desejas”, já dizia o profeta), aceitar-se e tornar-se quem é, o que passa diretamente pela figura encarnada por Ingrid, mistura de superego e um outro sentimento que não ousa dizer o próprio nome, de quem, justificadamente, fugia. Espécie de “Quero Ser Grande” (1988) às avessas, outro clássico a respeito do tema, bancado pela visionária Penny Marshall (1943-2018), “Tudo de Novo, Mais Uma Vez” tem seus méritos, mas precisa de um sucinto manual para ser mais bem fruído. De todo modo, vale a pena tentar.


Filme: Tudo de Novo, Mais Uma Vez
Direção: Jonatan Etzler
Ano: 2023
Gêneros: Drama/Comédia
Nota: 8/10