Os 7 melhores filmes lançados pela Netflix em 2023, até agora Divulgação / Netflix

Os 7 melhores filmes lançados pela Netflix em 2023, até agora

Com alguma frequência, somos desafiados a encontrar motivos para ratificar nossa crença na vida, atropelando o desalento que embrutece e paralisa; trucidando a melancolia, que na dose imprópria, deixa o céu nebuloso da sadia reflexão e avança ao pântano da dúvida imanente e ubíqua, acerca de qualquer um e em qualquer parte; arrasando o que tenta nos demover da fantasia de tempos menos sombrios e gente mais risonha, o ideal mais singelo e mais intricado a que se pode aspirar. Num só movimento, viver torna-se uma sucessão de luzes e sombras que se atraem e se repelem e se equivalem, subidas e descidas bruscas e repentinas como num brinquedo macabro, entradas e saídas de labirintos claustrofóbicos que se estreitam ainda mais conforme tomamos pé de nossas humanas limitações, agudizando a impressão de que no espírito do homem cabem mesmo todos os sonhos do mundo, mas nele encrustam-se igualmente muitas das côdeas que enxovalham o mundo para muito além da vã filosofia deste plano tão rasteiro.

É uma missão inócua tentar compreender o que se passa no lado mais escuro de cada um. Podemos dispor de toda a ajuda que nos oferecer a sorte, mas uma vez que somos nós mesmos os senhores de nossas escolhas, nossos juízes e nossos próprios carrascos, cabe-nos somente a nós a última palavra e só nossas são a culpa ou a fortuna pelo destino que nos aguarda, ainda que as artes, a ciência, o pensamento filosófico ofereçam ao homem ferramentas afiadas quanto a arredondar as quinas mais incômodas e burilar a vida de forma a tolerá-la sem o brilho falso das vãs quimeras com que costumamos nos enganar. Descortina-se um universo paralelo e mágico, santo e diabólico, onde se dão crimes de toda sorte, mocinhos e vilões trocam de roupa e de lugar sem nenhuma cerimônia, arrevesa-se a natureza das emoções e atira-se ao fogo o que deveria ser guardado e ficar para sempre, porto seguro para navegantes cansados dos mares procelosos da descrença de tudo.

Esse tumulto conceitual das coisas que nos elevam e daquelas das quais esforçamo-nos por fugir, mas nos perseguem por toda uma vida, sem descanso, presente em qualquer um, fica ainda mais óbvio no momento iluminado em que deparamos com certas manifestações artísticas. No caso dos filmes, o amálgama de imagens desconcertantes por natureza, uma vez que nunca hão de se projetar com tanta perfeição na vida como ela é, e enredos tão triviais, a ponto de nos ressabiar por tão parecidos com a nossa própria história, é mesmo uma inexplicável alquimia, um feitiço. As desventuras de uma assassina profissional que tenta conciliar a rotina tão idiossincrásica de seu ofício com a educação da filha, pode não ter relação alguma com a jornada excruciante de um trabalhador digno, mas com “Kill Boksoon”, o sul-coreano Byun Sung-hyun prova que a diferença entre sua personagem-título e qualquer um de nós é incomodamente miúda. Junto com outros seis títulos, todos à disposição do assinante da Netflix, “Kill Boksoon” é um dos grandes destaques do catálogo da plataforma para 2023, ano em que chegaram ao mercado e puderam, afinal, encontrar-se com o público. Os filmes estão relacionados por ordem cronológica — apesar de lançados em 2023, “Já Era Hora” (2022), de Alessandro Aronadio e “O Pálido Olho Azul” (2022), de Scott Cooper, começaram a ser produzidos no ano anterior — e alfabética. Procure-se e se ache em algum deles.

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.