Bula de Livro: Pedro Páramo, de Juan Rulfo

Bula de Livro: Pedro Páramo, de Juan Rulfo

Li “Pedro Páramo”, de Juan Rulfo, e gostei. Na verdade, é um dos melhores romances que li na vida. Pela milésima vez, entre milhares de milhares de obras, “Pedro Páramo” deve ser reverenciado e exaltado seu criador, Juan Rulfo. No livro, a altivez da voz e o estilo equilibrado se distancia da afetação característica dos romances regionalistas e a objetividade concreta é uma marca tão indelével quanto a secura proeminente de Comala, seu palco.

Juan Preciado, ao prometer para a mãe que irá ver o pai, que não conhece, parte para Comala, um lugar no meio do nada, um ermo de descaso, em busca de uma sombra, uma ideia, um fantasma! “Minha mãe me disse. E eu prometi que viria vê-lo assim que ela morresse. (…) Então não tive outro jeito a não ser dizer a ela que faria isso, e de tanto dizer continuei dizendo mesmo depois que minhas mãos tiveram trabalho para se safarem de suas mãos mortas.” Tudo que cerca Comala, diz respeito ao pai, Pedro Páramo. Os vários narradores contam, nos limites de suas desgraças e de sua solidão, suas venturas e desventuras, líricas, com o personagem do título, um ser sem coração.

Juan Rulfo
Pedro Páramo (José Olympio,‎ 176 páginas)

O livro tem uma das passagens mais bem escritas, belas e memoráveis da história da literatura latino-americana. No labirinto literário de Juan Rulfo, um dos narradores relata como Suzana San Juan, uma das personagens mais importantes do romance, fazia amor com o seu amante, há muito morto: “Diz que ela escondia os pés entre as pernas dele. Seus pés gelados como pedras frias e que ali se esquentavam como num forno onde se doura o pão. Diz que ele mordia seus pés dizendo a ela que eram como pão dourado no forno. Que dormia encolhida, metendo-se dentro dele, perdida no nada ao sentir que sua carne se quebrava, que se abria como um sulco aberto por um prego ardoroso, depois morno, depois doce, dando golpes duros contra sua carne macia; mergulhando e mergulhando, até o gemido”. Uma descrição sem precedentes, carregada de uma ternura bruta, original, que emociona.

Para além dos tipos singulares, a morte, tema máximo de “Pedro Páramo”, acontece simplesmente. Não faz rodeios e surge, silenciosa, de repente. Se sobrepõe e determina a ordem. Mas não é o fim. “Mais além, nas sombras, um punhado de mulheres para quem já estava se fazendo tarde para começar a rezar a oração dos defuntos.” A morte, é a personagem das personagens, como quer Juan Rulfo em sua obra.

A organização religiosa do mecanismo pós-morte é a ordeira construtora de uma supra realidade, mais palpável do que o mundo real, onde existem as personagens peculiares de Juan Rulfo, que ainda sofrem no outro mundo, rumo a uma agonizante, para o leitor, também, existência etérea. Uma eternidade de dor.


Livro: Pedro Páramo
Autor: Juan Rulfo
Tradução: Eric Nepomuceno
Páginas: 176 páginas
Editora: José Olympio
Nota: 10/10