“Roubo pelos Ares” corrobora a impressão geral que se tem sobre os filmes indianos, capazes de permanecer por muito tempo ainda despertando o fascínio e a incompreensão do Ocidente, seja por sempre conseguirem encontrar alguma coisa que os liberte da reprodução da estrutura usada por Hollywood em seus produtos — eficaz, mas também mecânica em muitos casos —, seja pela perspectiva desabridamente inovadora como abordam matérias um tanto ingratas, apesar de semanticamente ricas. Diretor experiente, apesar de quase anônimo fora da Índia, Ajay Singh, sabe que o bom suspense transita entre a constância e a instabilidade de seus personagens e, mais importante, tira proveito das situações corriqueiras de que lança mão quando já se instalou o caos para não deixar que falte ao público o turbilhão de emoções dessas histórias.
Pela sequência de abertura, pode-se esperar muito do roteiro de Shiraz Ahmed, Amar Kaushik, Raj Kumar Gupta e Trishant Srivastava. tem início com belas cenas do aeroporto de Kallu, no extremo sul da Índia. São duas horas da madrugada e homens das forças de segurança do país cercam um avião, o que aponta para uma circunstância entre misteriosa e grave, sensação inescapável na fotografia em cinquenta tons de azul de Gianni Giannelli. Singh mantém seu filme mergulhado num suspense meio untuoso, em que seus personagens falam como se estivessem meio sedados, e o diretor aproveita essa aura um tanto onírica, de realidade paralela, a fim de fazer com que também o público se anestesie. O espectador só volta a tomar contato com o mundo real no momento em que Ankit Sethi, o tipo visivelmente suspeito encarnado por Sunny Kaushal, começa a prestar depoimento sobre o que presenciou ao longo do voo, tomado por um grupo terrorista que reivindica a autonomia da Caxemira, território ao norte da Índia disputado com Paquistão desde o fim da colonização britânica, em 15 de agosto de 1947.
À medida que o personagem de Kaushal aclara minudências do crime, ganha vulto uma figura delgada, aparentemente inofensiva, recebendo os passageiros antes da decolagem. Neha Grover, a comissária de bordo interpretada por Yami Gautam, parece muito bem como está, exaurida pelo trabalho, contando os minutos para rever o namorado com quem mal consegue falar, fazendo tudo o que está ao seu alcance a fim de garantir a todos uma boa viagem. Na aeronave também viaja Ankit, e como já se pode imaginar — nisso Bollywood não é diferente de ninguém —, ele e a aeromoça mais bonita da Índia atraem-se um para o outro como filé de peixe e curry, ainda que o romance proposto por Singh acabe por ser atropelado em meio à correria de tantas subtramas correndo à margem do enredo central, esquecido até que o diretor volte a concentrar suas atenções nele como o necessário.
Raridade entre as produções bollywoodianas, “Roubo pelos Ares” cativa pela trilha que (felizmente) prescinde de números musicais extensos com canções locais e investe nos bons e velhos graves e agudos de sintetizadores e violinos. Duas excelentes reviravoltas, só detectáveis para olhos bem treinados, dão ritmo à história, mormente na segunda metade do terceiro ato, prenúncio de um desfecho meio manjado com a vingança de uma anti-heroína furiosa, mas que nunca desce do salto vermelho.
Filme: Roubo pelos Ares
Direção: Ajay Singh
Ano: 2023
Gêneros: Aventura/Policial/Suspense
Nota: 8/10