Bula de Livro: Flecha, de Matilde Campilho

Bula de Livro: Flecha, de Matilde Campilho

Li “Flecha”, de Matilde Campilho, e gostei. Na verdade, gostei muito. Um matemático, ao ler o título do livro, pensaria em um vetor. Uma seta orientada, como é uma flecha. Matilde inicia seu livro, em uma apresentação detalhada, explicando o objeto primordial. Dá detalhes sobre os elementos possíveis que compõem a ponta, a base, feitas de penas, e o corpo alongado, feito de madeira. Minerais, ossos, pássaros e árvores: a natureza! Não desvia da noção geométrica e imprime no objeto inanimado método e personalidade. A curta ação da flecha, que tem uma missão determinada por uma força externa, é efêmera, assim como é a vida. Segundo as palavras de Matilde, “A flecha é que atravessa tudo”. A flecha da autora atravessa o mundo e o tempo e por onde passa usurpa fragmentos da estrutura edificada, se suja de resíduos e os leva para frente, para o futuro, para provar que viaja e aprende.

“Flecha” é uma coleção de histórias curtas. Um herdeiro sofisticado de “Hora de Alimentar Serpentes”, de Marina Colasanti. Possui a delicadeza delirante de uma rosa vermelha e a potência cortante e destruidora de uma flecha atirada. É sobre incógnitos ilustres: Anton, Almah, Robert, Juanita. Gente! Sobre animais e lugares inusitados. Tem camadas, como tem o poema “Fevereiro”, belíssimo hino juvenil de Matilde, no qual as agruras e alegrias do amor são contadas em meio a elementos da química, da infância e das banalidades das tardes de domingo no parque. “Flecha” é fundamental para a prosa curta atual. São contos como “Um homem leva a mão ao peito e repete quatro vezes o nome do seu irmão”, que permitem o leitor se atirar em interpretações várias e, ao mesmo tempo, remeter-se à infância de crença e figuras bíblicas adquiridas em um passado de rituais ordinários. Ou buscar àqueles personagens heroicos e significativos da história humana. É maravilhoso de uma maneira simples e intimista.

Matilde parece ter mais força nos textos menores, pois a sensibilidade embutida na sua observação das coisas é impecável. O livro não tem subtítulos ou capítulos. São textos diretos, que raramente ultrapassam uma página, arremessados para o diante, como a flecha do título. Dos maiores textos se destaca “Um rapaz de calções vai subindo a montanha de Arat”, dinâmico, exato e com um final profundamente inspirado e surpreendente. Em alguns momentos, Matilde é totalmente hermética e simbólica o que deixa o leitor distanciado de sua ordem e de seu objetivo.

“Flecha” é o mundo visto por olhos atentos e narrado com lirismo e criatividade por uma das mais talentosas escritoras atuais. O vetor pontiagudo, certeiro e infalível de Matilde, a sua flecha literária, atravessa corações e os dilacera de forma permanente.


Livro: Flecha
Autor: Matilde Campilho
Páginas: 352 páginas
Editora: Editora 34
Nota: 9/10