Suspense francês na Netflix vai te deixar com o coração na boca Divulgação / Netflix

Suspense francês na Netflix vai te deixar com o coração na boca

Leva-se a vida se tentando a todo custo escapar das armadilhas que a vida nos prepara, e esse é um talento que, além de definir boa parte do que somos, torna-se fundamental quanto a orientar os indivíduos nas decisões que só cada um pode tomar. Muitos dos palpos de aranha em que vamos nos enredando pela vida afora deve-se apenas à inocência, a um modo demasiado romântico de encarar situações cuja  aparente banalidade acaba por lançar a mais astuta das criaturas num limbo de incerteza e ameaças constantes em que o intervalo entre uma e outra enrascada fica gradativamente mais curto, até que viver resume-se a dispensar um tempo precioso em desculpas, justificativas, pretextos, estratégias, planos de fuga que dão certo até que se esgotam os cenários em que a realidade aceita transigir ao imperturbável destino e a seus famigerados solavancos, que teimam em nos colher nos momentos mais inoportunos. Os personagens de “A Terra e o Sangue”, por exemplo, passam oitenta minutos correndo das complicações que despejam-se entre si, numa narrativa de início estimulante, mas que logo resvala no lugar-comum.

Julien Leclercq abre seu filme mostrando a barafunda em que se transforma a vida de um homem simples, à primeira vista iludido pelas aparências, cuja pretensa ingenuidade vai cedendo à medida que o roteiro, escrito com Jérémie Guez, espraia-se para terrenos mais lodosos da personalidade de seu anti-herói. A interpretação vigorosa de Sami Bouajila decerto responde por muito do interesse num filme marcado pelo encadeamento de subtramas nada originais, que por seu turno deságuam em arcos dramáticos resolvidos só em parte. Saïd, o homem simples que herda do sogro uma serraria que mal se aguenta nas próprias pernas, representa esses tipos virtuosos, mais e mais raros, que parecem optar por se manter a salvo de tudo quanto pode fazer do mundo um lugar intolerável. Bouajila concentra a bondade natural — e meio estúpida — desses indivíduos ao dar emprego e um teto a Yanis, vivido por Samy Seghir, cujos enroscos com a justiça o texto de Leclercq e Guez não esclarece de imediato, mas se pode imaginar facilmente. As cartas passam a estar todas sobre a mesa com a entrada em cena de Medhi, o meio-irmão de Yanis interpretado por Redouanne Harjane, manobra que arremessa o espectador novamente para a cena de abertura. Na virada do primeiro para o segundo ato, entretanto, torna-se exponencialmente mais difícil acompanhar a história, malgrado a atuação de Sofia Lesaffre como Sarah, a filha de Saïd, e as participações esporádicas de Eriq Ebouaney na pele de Adama, o vilão caricato, mas com todas os motivos para perseguir Medhi, enriqueçam muito o filme ao proporcionar alguns anticlímax, todos em boa medida voltados ao novo conflito que passa a servir de norte à trama, entre os personagens de Bouajila e Ebouaney.

São palpáveis os esforços de Leclercq em manter seu filme quente. Todavia, a escolha por priorizar o argumento surrado da simplicidade refreando o mal, visto com muitas similitudes em “Bala Perdida” (2020), de Guillaume Pierret, perde-se miseravelmente — e mesmo nesse ponto, seria possível tirar leite de pedra dando-se mais espaço à personagem de Lesaffre, fonte natural das sutilezas que num enredo tão árido são sempre bem-vindas.


Filme: A Terra e o Sangue
Direção: Julien Leclercq
Ano: 2020
Gêneros: Drama/Suspense
Nota: 7/10