O melhor filme indiano de suspense dos últimos cinco anos está da Netflix e você não assistiu Divulgação / Netflix

O melhor filme indiano de suspense dos últimos cinco anos está da Netflix e você não assistiu

Quando conseguiu publicar sua primeira novela policial, em 1920, a própria Rainha do Crime decerto jamais imaginara quão longe o gênero poderia chegar… Agatha Christie (1890-1976) teve seu talento reconhecido de imediato, aplausos ao editor John Lane (1854-1925), que leu “O Misterioso Caso de Styles” de uma enfiada. Aos 29 anos, filha de um americano que constituíra fortuna na Inglaterra, Christie logo se tornaria uma verdadeira celebridade, tendo alguns de seus livros adaptados para o teatro e o cinema, muito graças a Hercule Poirot, o detetive tão enigmático quanto os casos em que se empenhava e dotado de um carisma que fascina leitores de várias gerações até hoje

Tramas como as que consagraram a escritora britânica sempre foram roteiros em potencial para filmes que tinham tudo para fisgar o espectador primeiro pelo olhar, depois pelo cérebro, e até pelo estômago, se se quiser, mas não por suas alusões culinárias. No mesmo movimento em que Christie despontou com inegável mérito, uma oitava acima, Alfred Hitchcock (1899-1980) também teve seu quinhão de majestade. No cinema, o Mestre do Suspense decerto foi o diretor que conseguiu fazer da categoria uma grife, o que, aos poucos, acontecera com seu próprio nome: ninguém pensa em filmes que mantêm a audiência pendurada na brocha por até muito mais de duas horas sem se remeter incontinente a Hitchcock, não por acaso também britânico — e artistas que se destacaram, de uma maneira ou de outra, por meio dessas histórias renderiam um ensaio à parte. Nem só de Europa vivem as narrativas plenas de segredos que levam plateias a um estímulo bastante sui generis, onde o arrebatamento frente ao inesperado com o que se tem diante dos olhos não tarda a ceder espaço a uma certa histeria, por sua vez abandonada pelo torpor, como se tudo quanto ali se passa tomasse a forma de delírio repulsivo ou sonho macabro, capaz de, a qualquer instante, materializar-se na vida de quem ousa a acompanhar a história.

De quando em quando, o cinema toma novo fôlego revivendo as tramas que já se mostraram capazes de absorver o difuso interesse do espectador e deixar a crítica entre atônita e encantada. Sujoy Ghosh leva para a Índia o nonsense do espanhol “Um Contratempo” (2016), em que Oriol Paulo submete a concentração e mesmo o equilíbrio de quem assiste a uma prova de resistência. Paulo assina o roteiro de “Badla” junto com o diretor, e os dois tornam novamente viável que o público se perca nos labirintos de um homicídio cuja assassina se faz conhecer desde sempre, justamente por saber-se dona de um talento incomparável.

Se “Um Contratempo” segue o padrão dos filmes de suspense policial espanhóis produzidos nos últimos anos — uma narrativa com protagonistas especialmente bonitos, um anticlímax atrás do outro, locações soturnas e a dose certa de violência —, “Badla” se distancia com acerto da exuberância de cores e de sons de Bollywood, mantendo a tendência, mas exaltando um teor ainda mais realista, com gente mais afeta à pedestre humanidade nos papéis centrais. Discípulo aplicado de Hitchcock e Brian de Palma, Paulo destaca em seu texto o doce charme de uma burguesia alienada e leviana, personificado por Naina Sethi, a empresária jovem, bem-sucedida, esposa devotada e mãe amorosa. A opção de substituir o personagem de Mario Casas por uma mulher diz muito sobre os anseios de uma nação sedenta de novas águas e Taapsee Pannu apossa-se desse encargo com donaire e violência. A delicadeza da mulher aparentemente frágil, de voz maviosa e gestos contidos rapidamente dá lugar à fera que tenta se desvencilhar das acusações de ter matado o amante, Arjun Joseph, de Tony Luke. Até aí, mesmo que escape da prisão, já está perigosamente acuada, sem o casamento e a boa reputação — só isso para explicar ser tão solitária —, e, como vai se provar, em maiores apuros ao depender da intercessão de Badal Gupta, o advogado vivido por Amitabh Bachchan.

Ainda que o desfecho não mude em nada ao que se tem em “Um Contratempo” — a despeito de um maior empenho no disfarce que justifica boa parte da história —, Ghosh faz recrudescerem as expectativas quanto às possíveis grandes reviravoltas do enredo de seu filme, que não vêm mesmo. Não obstante, “Badla” vale pela boa condução de Pannu e Bachchan para tipos densos e atormentados, cada qual por suas razões, mas que se unem para nos fazer de bobos.


Filme: Badla
Direção: Sujoy Ghosh
Ano: 2019
Gêneros: Suspense/Thriller/Drama
Nota: 8/10