No alto de seus 86 anos, Woody Allen continua produtivo, tanto para a literatura quanto cinema. Após uma recente polêmica de que se aposentaria, a assessoria do artista comunicou que tudo não passou de um mal entendido e que Allen apenas quis dizer que os filmes vão muito rápido para o streaming atrapalhando a experiência cinematográfica, e que ele é um amante das salas de exibição.
E esta não é a primeira manifestação de descontentamento do cineasta com o streaming, que gostando ou não, é o futuro do cinema e o fez sobreviver durante a pandemia de Covid-19. Em 2016, ele fez um acordo com o Amazon Prime Video para criar uma minissérie. Apesar de ter sido chamada por ele de “erro trágico” e de ele ter revelado que fazer série é muito mais difícil do que ele pensava, a produção, que recebeu crítica mediana, ainda é uma deliciosa comédia com sabor de Woody Allen, que vai deixar seu dia melhor. Isso, porque mesmo uma série considerada ordinária para o padrão do cineasta é acima da média nos padrões comuns.
Amado ou odiado, Woody Allen é dono de seu próprio modelo. Ele é símbolo de autenticidade, embora vários novatos tenham tentado reproduzir conteúdos parecidos com os seus. Nada se aproxima ao seu estilo único de criar cinema. Em “Crises in Six Scenes”, Allen mistura seu conhecido alterego pessimista, que conhecemos de seus filmes e que muito se assemelha a ele próprio, com suas angústias, paranoias e idiossincrasias. A isso, ele mistura sua própria concepção degradante do produto feito para a televisão. Nessa minissérie, ele deixa clara sua opinião (até um pouco ultrapassada) de que a TV é inferior ao cinema.
A série é gira em torno de Sidney e Kay, um casal de idosos brancos da classe média norte-americana, que vive no subúrbio de Nova York. Apesar de serem progressistas, vivem em sua bolha de consumismo, conforto e de aceitação do sistema político norte-americano, acreditando que a única maneira possível de se combater as injustiças sociais é com o voto, mas Sidney sequer tirou o título de eleitor. Na casa deles, o jovem hóspede Allan também contempla a mesma visão de mundo. Ele é uma visita, um filho de um casal de amigos que faz parte desse grupo social privilegiado. Até que o trio sofre um choque de realidade com a chegada de Lennie, uma jovem guerrilheira da esquerda radical, procurada pelo FBI por terrorismo. Ela pede abrigo e chacoalha a bolha de confortos e privilégios do grupo.
A minissérie é composta de seis episódios de aproximadamente vinte minutos e que, no total, daria um filme de Woody Allen. Apesar das críticas negativas, a produção, que se passa nos anos 1960, trata de assuntos muitos atuais do mundo, como os avanços do neoliberalismo, a perseguição ao modelo comunista que é mais uma sombra que uma forma e a crítica aos esquerdistas que se sentam confortáveis em suas cadeiras de prata e não pretendem questionar o status quo, porque se beneficiam dele.
Os longos e infindáveis diálogos, as neuroses e o humor pessimista de Woody Allen ainda estão lá em “Crises in Six Scenes”. Ele sempre acerta nas piadas, que mantém o nível de inteligência e leveza, mesmo quando trata de um tema tão delicado hoje em dia e que tem levado os lados a trocarem tiros e facadas. Woody Allen critica ambos — e também ri deles — sem deixar o assunto pesado, chato e panfletário.
Série: Crisis in Six Scenes
Direção: Woody Allen
Ano: 2016
Gênero: Comédia
Nota: 7/10