“Dias Perfeitos”, dirigido por Wim Wenders, constrói sua narrativa a partir de um princípio simples e rigoroso: acompanhar alguns dias na vida de Hirayama, um homem de meia-idade que trabalha limpando banheiros públicos em Tóquio. Interpretado por Koji Yakusho, o personagem vive sozinho, mantém hábitos fixos e parece ter organizado sua existência de modo a reduzir o mundo ao que é imediatamente controlável. A rotina não surge como fuga, mas como escolha consciente. Hirayama acorda cedo, cuida de suas plantas, dirige até os locais de trabalho, executa cada tarefa com atenção quase ritual e encerra o dia lendo livros ou ouvindo músicas em fitas cassete. O filme deixa claro, desde o início, que não se trata de um homem derrotado pela vida urbana, mas de alguém que deliberadamente decidiu limitar o campo das expectativas.
Essa decisão ganha peso justamente por ser colocada em contraste com a cidade ao redor. Tóquio aparece como um espaço funcional, organizado, mas indiferente. Pessoas passam por Hirayama sem notá-lo, utilizam os banheiros que ele limpa e seguem adiante. O silêncio social que o cerca não é agressivo, apenas automático. Ao acompanhar esse cotidiano sem pressa, Wenders transforma a repetição em elemento dramático. O enredo avança não por grandes acontecimentos, mas por pequenas variações que ameaçam, ainda que de forma discreta, a estabilidade construída pelo protagonista.
Conflitos mínimos e relações assimétricas
A presença de Takashi, o jovem assistente vivido por Tokio Emoto, introduz uma fricção geracional clara. Takashi encara o trabalho como algo provisório, executado com desatenção e pressa, sempre à espera de algo melhor fora dali. Hirayama, ao contrário, age como se cada banheiro limpo fosse uma tarefa completa em si mesma. Entre os dois não há amizade nem antagonismo declarado. O que existe é uma convivência marcada por visões opostas sobre tempo, responsabilidade e sentido. O filme deixa implícito que Takashi representa uma inquietação típica de quem ainda busca um lugar, enquanto Hirayama parece já ter abandonado essa busca.
Outras relações funcionam como desvios momentâneos da rota habitual. Aya, interpretada por Aoi Yamada, desperta em Hirayama uma possibilidade de aproximação afetiva que ele observa com cautela. A sobrinha Niko, vivida por Arisa Nakano, surge como um elo com um passado familiar do qual o protagonista se afastou. A visita da irmã, papel de Sayuri Ishikawa, sugere tensões antigas que nunca são explicadas em detalhe. Wenders evita qualquer exposição direta dessas histórias, preferindo que elas existam apenas como vestígios. Essa recusa em explicar demais mantém o foco no presente e reforça a ideia de que o filme se interessa mais por estados de espírito do que por causas biográficas.
Forma, tempo e recusa do excesso
A estrutura narrativa de “Dias Perfeitos” se sustenta na repetição controlada. Ao retornar diariamente aos mesmos gestos, o filme convida o espectador a perceber diferenças quase imperceptíveis: um olhar mais demorado, uma pausa inesperada, um sorriso contido. Essa economia dramática encontra em Koji Yakusho seu principal apoio. O ator constrói Hirayama com mínima variação facial e corporal, mas cada alteração, por menor que seja, carrega significado. A atuação se baseia menos em expressão emocional direta e mais em contenção, o que exige atenção constante de quem assiste.
Wenders também articula o tempo de maneira particular. Não há pressa nem acúmulo de acontecimentos. O ritmo acompanha o personagem e se recusa a acelerar para satisfazer expectativas externas. A trilha sonora, composta por músicas como “Perfect Day”, de Lou Reed, e “Feeling Good”, de Nina Simone, não surge como comentário irônico ou sentimental, mas como extensão do universo íntimo de Hirayama. As canções pertencem a ele, não ao espectador.
“Dias Perfeitos” propõe uma reflexão direta sobre escolha, controle e aceitação, sem recorrer a discursos edificantes ou conflitos grandiosos. Ao acompanhar um homem que encontra sentido na repetição, Wenders questiona a ideia de que a vida precisa, necessariamente, de progressão constante para ser significativa.
★★★★★★★★★★




