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Aventura sombria com Famke Janssen e Jeremy Renner no Prime Video transforma contos de fadas em pesadelo Divulgação / Paramount Pictures

Aventura sombria com Famke Janssen e Jeremy Renner no Prime Video transforma contos de fadas em pesadelo

O ponto de partida de “João e Maria: Caçadores de Bruxas” não é a casa de doces, mas o que sobra depois que ela queima. O filme assume desde o início que João e Maria não superaram o trauma de terem sido engordados para o abate. Eles apenas encontraram um modo socialmente aceitável de transformar ressentimento em profissão. Jeremy Renner interpreta João como alguém permanentemente irritado com o mundo, alguém que nunca teve tempo para elaborar o medo infantil porque precisou aprender a sobreviver antes. Já Maria, nas mãos de Gemma Arterton, canaliza esse passado em uma dureza pragmática, menos explosiva, mais estratégica. A narrativa deixa claro: não há nostalgia aqui, só cicatriz.

Adultos, os irmãos percorrem vilarejos exterminando bruxas em troca de pagamento, numa rotina que mistura vingança pessoal e serviço terceirizado. O enredo se organiza a partir do desaparecimento de crianças em uma vila dominada pelo pânico, situação que leva João e Maria a confrontarem algo maior do que execuções pontuais. Existe uma estrutura de poder entre as bruxas, comandada por Muriel, vivida por Famke Janssen, e é nesse ponto que o filme assume sua vocação mais assumidamente pulp. Muriel não disfarça sua maldade nem busca complexidade psicológica: ela quer domínio, revanche e prazer. A simplicidade da motivação é coerente com o tom adotado.

Anacronismo como linguagem, não descuido

Armas automáticas em um cenário medieval, trilha sonora com guitarras, diálogos que soam deliberadamente contemporâneos. Tudo isso funciona porque o filme nunca tenta parecer coerente com a História. Ele constrói um universo próprio, onde a lógica interna vale mais do que qualquer fidelidade temporal. O humor nasce justamente desse atrito: ver João recarregando armas como um mercenário moderno enquanto enfrenta criaturas saídas do folclore europeu. Não é ingenuidade, é escolha estética. O exagero vira identidade.

Violência, sangue e o prazer do excesso

O nível de gore é alto, insistente, quase provocativo. Corpos explodem, membros são decepados, sangue escorre sem pudor. A violência aqui não busca realismo nem choque moral; ela funciona como elemento cômico, como se o filme dissesse ao espectador que tudo aquilo faz parte da brincadeira. A reação esperada não é horror genuíno, mas riso nervoso. Essa abordagem afasta qualquer tentativa de leitura elevada e aproxima o filme de um parque de diversões macabro.

Personagens que sabem onde estão pisando

Renner e Arterton parecem plenamente conscientes do tipo de história que estão contando. Não há esforço para conferir densidade psicológica onde ela não cabe. A química entre João e Maria se apoia mais na parceria funcional do que em afeto explícito, o que reforça a ideia de dois sobreviventes que aprenderam a confiar um no outro por necessidade. Famke Janssen, como Muriel, entrega uma vilã que se diverte com a própria crueldade, e essa diversão contamina o ritmo do filme inteiro.

Leveza assumida e expectativas ajustadas

“João e Maria: Caçadores de Bruxas” não pede envolvimento emocional profundo nem reflexão prolongada após os créditos. Ele pede apenas que o espectador aceite o pacto: noventa minutos de fantasia violenta, humor deslocado e personagens que sabem exatamente o quão absurdo tudo é. Quando se entende isso, o filme deixa de parecer desleixado e passa a funcionar como aquilo que sempre quis ser: entretenimento direto, sem culpa e sem ambição de permanência. E, curiosamente, é nessa honestidade que ele encontra seu maior mérito.

Filme: João e Maria: Caçadores de Bruxas
Diretor: Tommy Wirkola
Ano: 2013
Gênero: Ação/Fantasia/Terror
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★