Em tempos de polarização e intolerância, a bondade passa a ser vista como fraqueza. Ser gentil num ambiente de perpétua animosidade é um gesto de bravura. Perversões de toda sorte vão sendo assimiladas como a regra desde sempre, gerando ciclos de ressentimento que mantêm-se pela exclusão. São mais e mais raros os que se dispõem a romper os muros da prisão ideológica e dialogar, conferindo um significado mais humano à política. “Pássaro Branco: Uma História de Extraordinário” volta a uma quadra de terror da História para entender a razão que leva um garoto a arriscar seu futuro por causa de uma brincadeira que deixa um rastro de dor tão forte que clama pela intervenção de alguém que sofreu na carne a pior desonra.
Ambicioso, o diretor Marc Forster destrincha o roteiro de Mark Bomback sob a forma de uma conversa entre uma avó e seu neto acerca dos mil perigos do efeito manada. Depois de ser expulso por perseguir um colega, Julian Albans enfrenta dificuldades para se adaptar à nova escola, ou seja, o feitiço virou. Baseando-se na graphic novel de R.J. Palacio, de 2019, Bomback propõe uma sequência para “Extraordinário” (2017), o filme de Stephan Chbosky sobre August Pullman, portador de uma anormalidade congênita rara que prejudica o pleno desenvolvimento de alguns órgãos, além de provocar sequelas na disposição dos ossos e da pele no rosto. Julian chegou a redimir-se, mas foi convidado a desligar-se do colégio e só aí ele conhece a sensação de também carregar um estigma. Ele volta para casa ao fim de mais um dia como perdedor e depara com a avó, Sara Blum, que chegara de Paris para uma visita. E então o filme começa.
Sara conta de um episódio ocorrido em 1942, na Alsácia, nordeste da França, numa das poucas regiões livres do domínio nazista, mas não o bastante para passar incólume ao horror. Sara é uma garota judia de quinze anos, e quando as tropas de Hitler finalmente chegam, seus pais decidem enfrentá-las. Sara esconde-se no celeiro da família de Julien Beaumier, um colega de classe que usa uma órtese devido à poliomielite e agora, depois de ter escutado gracejos os mais rudes, pode também cair nas garras do inimigo por sua condição. Se no primeiro ato a afinidade entre Bryce Gheisar e Helen Mirren cativa o público, o próximo segmento só ganha com Ariella Glaser e Orlando Schwerdt. Julian, que passa a ter por lema não ser nem bonzinho nem malvado, mas somente “normal”, aprende que a omissão dos justos é, em muitas circunstâncias, pior que a vileza dos facínoras. Uma cena com Gillian Anderson, ótima, resume bem isso.
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