Discover
Prime Video tem um suspense tecnológico que parece episódio proibido de Black Mirror Divulgação / Amazon Prime Video

Prime Video tem um suspense tecnológico que parece episódio proibido de Black Mirror

Um pai solteiro deixa o hospital com o corpo intacto e a memória quebrada, tentando fingir normalidade para não perder a filha. Em “Caixa Preta”, Mamoudou Athie interpreta Nolan Wright, com Phylicia Rashad como a neurologista Lilian Brooks e Amanda Christine como Ava, a criança que observa tudo, sob direção de Emmanuel Osei-Kuffour Jr. O conflito central se firma cedo: para recuperar lembranças e credibilidade, Nolan aceita um tratamento que promete devolver estabilidade ao que o acidente arrancou.

No cotidiano, Nolan decide agir como se estivesse apto, mesmo quando não consegue sustentar a rotina. Ele tenta cozinhar, dirigir, cumprir horários, conversar com professores, e tropeça em tarefas que antes seriam automáticas. A razão é concreta: preservar a guarda e a imagem de pai presente. O obstáculo chega em forma de cobranças externas e lapsos domésticos que colocam Ava em alerta. O efeito é um prazo não declarado: se ele não melhorar logo, alguém vai decidir por ele.

Diante desse cerco prático, Nolan aposta no que a medicina oferece de mais arriscado. Um amigo médico o encaminha, ele assina papéis, senta diante de um equipamento que promete acesso guiado às lembranças e aceita a condução de Lilian Brooks. O motivo não é curiosidade, é sobrevivência cotidiana. O obstáculo está no preço da aposta: as sessões devolvem fragmentos, interrupções e uma sensação de intrusão que ele não consegue explicar sem parecer delirante para quem está fora da sala.

O capacete fecha. A sala fica menor. A voz de Brooks guia. Nolan vê um corredor sem nome. Vê rostos borrados. Sente uma presença. Ele tira o equipamento, respira, volta.

As sessões e a memória como território hostil

Nas incursões seguintes, a direção coloca o espectador dentro de uma percepção falha, com espaços que se dissolvem quando Nolan tenta fixá-los e com um intruso recorrente que interrompe a cena no momento em que algo parece fazer sentido. Nolan decide continuar mesmo após crises físicas, porque voltar para casa sem respostas significa repetir o mesmo fracasso. O obstáculo é que a própria memória se comporta como defesa, expulsando-o quando ele se aproxima do que procura. O efeito é deslocar o horror para dentro da lembrança, onde o medo aparece como dado a ser interpretado e não apenas suportado.

Em casa, Ava escolhe administrar a instabilidade do pai com uma maturidade que o filme trata como necessidade. Ela organiza pequenas rotinas, cobre esquecimentos, inventa desculpas para vizinhos e escola, e tenta impedir que adultos estranhos entrem no apartamento. A motivação é manter a família de pé por mais um dia. O obstáculo é que a estratégia depende de repetição e silêncio, e cada repetição aumenta o risco de alguém checar o que está sendo omitido. O efeito é colocar a menina no centro do risco e transferir a ela uma responsabilidade que pesa em cena.

Enquanto isso, Lilian Brooks decide aprofundar o tratamento, empurrando Nolan para sessões mais longas e mais invasivas. Ela ajusta o equipamento, redefine a condução, insiste em atravessar o medo em vez de contorná-lo, e sustenta a autoridade com uma calma que não se explica só por currículo. Nolan aceita, porque depende dela para lembrar, mas passa a reagir com desconfiança quando percebe que a médica controla o ritmo e a versão do que ocorreu na sala. O obstáculo, para ele, é a dependência: sem a médica não há avanço; com ela, a suspeita cresce.

Lilian Brooks, controle clínico e desconfiança crescente

Nesse ponto, “Caixa Preta” se alinha a uma ficção científica interessada em consentimento e propriedade da identidade, mais do que em tecnologia distante. A comparação com “Amnésia” ajuda a localizar a estratégia narrativa: as lacunas forçam uma investigação em tempo presente, com o protagonista sempre um passo atrás do próprio caso. Nolan decide buscar confirmações fora do consultório, reconectar lugares e pessoas, tentar fixar datas, mesmo sabendo que cada confirmação abre um novo buraco e que o tempo trabalha contra sua estabilidade familiar.

Conforme as contradições aumentam, Nolan escolhe enfrentar o intruso nas sessões, insistindo até quando o corpo pede recuo. Ele entra decidido a não ser expulso do próprio passado, ou melhor, decidido a não delegar mais a outra pessoa o que pode ser visto e o que deve ficar oculto. O obstáculo é que a memória reage, troca rostos, embaralha gestos, e a condução de Lilian acentua a sensação de que alguém está puxando o fio para um destino específico. O efeito imediato é tornar o que ele vê nas sessões uma ameaça ao que ele acredita ser quando sai da clínica e volta para Ava.

Depois dessa escalada, as consequências chegam ao cotidiano de maneira concreta. Nolan volta para casa com respostas que não combinam com perguntas antigas e com um comportamento que Ava percebe antes de qualquer adulto, obrigando-o a decidir entre sustentar uma versão ou admitir que não confia mais em si. Um amigo médico, desconfiado, decide examinar registros e encontra incoerências que não cabem em “efeitos colaterais”. Lilian, do outro lado, mantém o calendário sob controle e marca a próxima sessão, com o visor do equipamento aceso no fim do corredor.

Filme: Caixa Preta
Diretor: Emmanuel Osei-Kuffour
Ano: 2020
Gênero: Ficção Científica/horror/Mistério/Suspense
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★