Se você é um jornalista de impresso, certamente já sonhou em trabalhar em veículos de relevância. Na minha época de faculdade, pisar no Correio, no Globo, no Estadão ou na Folha era um evento canônico na carreira jornalística. Indo mais longe, trabalhar no Washington Post ou no The New York Times era algo impensável, coisa distante, quase maluca. Até mesmo para os próprios jornalistas americanos isso sempre pareceu grande demais. Imagine, então, entrar para o mais conceituado grupo de intelectuais do jornalismo: a elite do The New Yorker. Uma realização e tanto.
Estar entre os maiorais deve ser um prestígio imenso. Coisa para poucos. “The New Yorker: Anos de História” celebra o centenário da revista e faz uma radiografia do sucesso desse veículo de renome internacional que conquistou o coração dos leitores mais progressistas. A linha editorial é essa. E, embora edições do início e de meados do século 20 ainda carregassem rastros de racismo e machismo, é impossível não conceder certa licença poética por conta do tempo. Afinal, não se expande a mente de uma hora para a outra. Ainda assim, o The New Yorker esteve definitivamente na vanguarda.
O documentário, dirigido por Marshall Curry, não expõe erros, ridículos ou pecados de bastidores. De forma alguma. A proposta é olhar de maneira comemorativa e leve para as publicações da revista, que já foi acusada de elitismo intelectual. Não que fosse incorreto rotulá-la assim, mas o The New Yorker elevou o padrão do leitor. Obrigou-o a sair da zona de conforto e lhe deu substância intelectual para alimentar o cérebro. É exatamente desse tipo de coisa que a gente precisa hoje.
Uma identidade visual inconfundível
Sem nenhuma capa fotográfica, absolutamente todas as edições trazem ilustrações na apresentação. A revista criou um estilo único, uma linguagem autêntica e uma estética que é, até hoje, sua marca registrada. Seus padrões parecem quase eternizados, difíceis de mudar, porque a tradição do veículo é rígida. Mas não se pode dizer, e o documentário deixa isso claro, que não houve atualizações. Houve, sim. Pequenas, discretas, mas houve. Em time que está ganhando, não se mexe.
Curry adota uma abordagem dinâmica, reunindo entrevistas com jornalistas e colaboradores da revista que vão de Molly Ringwald a Jesse Eisenberg. O filme relembra o passado com um tom crítico, porém nunca severo. William Shawn, um dos editores mais decisivos da história do veículo, confessou, por exemplo, ter se arrependido de publicar a série-reportagem de Truman Capote, “A Sangue Frio”, depois da intensa pressão sobre a veracidade da narrativa. Ao mesmo tempo, foi justamente a partir desse episódio que se inaugurou o romance de não ficção e se consolidou o true crime como gênero. Além disso, ali também se firmaram o ensaio pessoal moderno e o jornalismo imersivo.
Uma influência cultural que atravessa o cinema
O The New Yorker foi tão primordial culturalmente que influenciou a literatura e até mesmo o cinema, com histórias que deram origem a filmes como “Adaptação”, de Spike Jonze; “A Hora Mais Escura”, de Kathryn Bigelow; “Brokeback Mountain”, de Ang Lee; “A Vida Secreta de Walter Mitty”, de Ben Stiller; e “A Crônica Francesa”, de Wes Anderson, entre outros. Foi pioneiro ao publicar James Baldwin, um autor negro, escrevendo sobre os Direitos Civis nos anos 1960, mesmo que, ironicamente, a página seguinte ainda fosse estampada por uma propaganda racista.
O documentário viaja no tempo ao mostrar a evolução da revista, explora cada divisão profissional dentro da empresa: de chargistas a jornalistas, de fact-checkers a editores; e reflete sobre como o The New Yorker moldou um olhar sofisticado e apurado sobre o mundo na sociedade nova-iorquina. “The New Yorker: Anos de História” me fez lembrar daquele sentimento quase mágico de investigar a verdade: foi isso que me fez querer me tornar jornalista.
★★★★★★★★★★




