“Stigmata” inicia sua provocação quando Frankie Paige, vivida por Patricia Arquette, percebe que a vida confortável construída à base de descrença, pequenos prazeres urbanos e zero interesse por qualquer instância espiritual dá lugar a uma sequência de episódios brutais que transformam seu corpo em testemunha involuntária de algo que ela nunca pediu para compreender. O ataque invisível que perfura seus pulsos rompe o cotidiano sem qualquer aviso, e as explicações médicas, rápidas demais para um fenômeno tão extremo, apenas aprofundam seu pânico. A jovem, ateia convicta, não encara a possibilidade de um milagre; o que ela vê é destruição e humilhação, como se estivesse sendo empurrada para um ritual que não reconhece. As primeiras manifestações já bastariam para derrubar qualquer narrativa racional, mas o filme amplia a estranheza à medida que as feridas se multiplicam, cada uma mais violenta do que a anterior. O terror que a cerca não nasce da fé, e sim da completa falta dela, o que amplia o desconforto e expõe a fragilidade de alguém que sempre acreditou na autonomia de seu próprio corpo.
O choque entre o espiritual e o institucional
A chegada do padre Andrew Kiernan, interpretado por Gabriel Byrne, introduz uma tensão que move o filme para outro terreno. Andrew não é exatamente o operário padrão da Igreja; pesquisa fenômenos sobrenaturais com ceticismo científico, movido mais pela curiosidade do que pela devoção irrestrita. Ele observa Frankie não como uma escolhida, mas como um enigma que contraria a lógica histórica do fenômeno dos estigmas. A química entre os dois emerge sem romantização, construída a partir do medo compartilhado diante de algo que supera qualquer cartilha religiosa. Contudo, o avanço da investigação coloca Andrew em rota de colisão com setores da própria instituição que o enviou, revelando interesses que ultrapassam o cuidado pastoral. Em paralelo, Frankie se vê arrastada para visões e ataques que a deixam sem fôlego, em cenas que alternam pavor físico e estranha beleza estética. O filme explora esse contraste com vigor, mostrando como a dor de Frankie se torna linguagem, ainda que nenhuma delas queira decifrá-la.
Heresias, intrigas e feridas que recusam significado
À medida que Andrew identifica elementos ligados ao Evangelho de Tomé nas manifestações que atingem Frankie, o filme mergulha em um debate sobre controle, poder e medo do conhecimento. A possibilidade de que uma mensagem antiga e inconveniente esteja se expressando por meio de uma jovem ateia provoca pânico institucional e revela o esforço da Igreja para preservar estruturas internas mesmo à custa de quem sofre. Frankie, por sua vez, não encontra consolo em nenhuma explicação: cada novo ataque intensifica sua sensação de estar sendo usada por forças que não a reconhecem. O filme, longe de oferecer uma leitura pura do fenômeno religioso, aposta na perturbação e na falta de respostas. Patricia Arquette entrega uma performance crua, enquanto Gabriel Byrne equilibra dúvida e empatia em uma trajetória marcada por dilemas éticos. “Stigmata” se sustenta nesse terreno ambíguo, onde fé e violência se misturam sem produzir redenção. A experiência é menos sobre espiritualidade e mais sobre como o extraordinário pode devastar vidas comuns, deixando cicatrizes que desafiam qualquer interpretação.
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