O Globo de Ouro costuma funcionar como sinal antecipado da temporada de prêmios e, em 2026, explicita de forma clara o peso do streaming. Filmes disponíveis na Netflix aparecem lado a lado com produções lançadas em circuito comercial, disputando atenção de jurados e de público. A premiação deixa de ser apenas um evento distante em Los Angeles e passa a dialogar com a rotina de quem acompanha cinema em casa.
Esse movimento altera a relação entre anúncio e recepção. Assim que as indicações são divulgadas, boa parte dos filmes já pode ser vista em poucos cliques, o que reduz a distância entre a agenda das premiações e o calendário cotidiano. Cria-se a possibilidade de acompanhar a temporada em tempo real, confrontando impressões com a leitura feita por associações de imprensa e crítica.
Quando parte relevante dos indicados está reunida em uma mesma plataforma, o gesto de escolher o que ver ganha contornos diferentes. Em vez de depender de estreias espaçadas, o espectador pode montar percursos próprios, alternando gêneros, países e registros. Nesse ambiente, alguns filmes acabam funcionando como porta de entrada para discussões mais amplas sobre memória, fantasia, história recente ou conflitos familiares, temas recorrentes entre os candidatos a prêmios.
Ken Woroner / NetflixNeste épico gótico, um cirurgião brilhante e marcado pelo trauma da morte precoce da mãe cresce obcecado pela ideia de superar os limites naturais. Estudos de anatomia, experimentos arriscados e noites solitárias em laboratórios clandestinos resultam na criação de um corpo humano reconstituído a partir de pedaços recolhidos de diferentes origens. Quando a criatura desperta, revela não apenas força descomunal, mas uma consciência sensível que tenta compreender um mundo hostil. Rejeitado pelo próprio criador, esse ser aprende às sombras: observa famílias, tenta imitar suas rotinas, descobre linguagem e busca um lugar onde possa existir sem medo. A sucessão de rejeições, violência e solidão converte a inocência inicial em sofrimento e, depois, em desejo de vingança. A narrativa alterna a confissão do cientista à beira da morte com os caminhos percorridos pela criatura, construindo uma tragédia sobre responsabilidade, paternidade falida e o peso moral de gerar vida apenas para abandoná-la.
Divulgação / NetflixNesta animação musical, um trio de superestrelas do pop coreano leva uma vida dupla: de dia, ídolos que lotam estádios em turnês globais; à noite, guardiãs secretas que usam coreografias, vocais poderosos e tecnologia mística para manter uma barreira mágica que protege o mundo de demônios famintos por almas. Enquanto as amigas brilham nos palcos, uma delas carrega um segredo perigoso: características demoníacas surgem pouco a pouco em seu corpo, alimentando vergonha e medo de rejeição. A pressão explode quando um grupo rival de garotos domina as paradas — e o público — como parte de um plano para fragilizar a barreira e libertar um antigo rei demoníaco. Entre ensaios, videoclipes e batalhas sobrenaturais em shows ao vivo, a história acompanha a jornada de autoaceitação dessa protagonista, o abalo temporário da amizade com as colegas e o passo definitivo rumo à libertação da culpa. No clímax, música, fãs e afeto tornam-se armas para recriar uma nova proteção mágica baseada em quem elas realmente são.
Divulgação / Pascal PicturesNesta comédia dramática metalinguística, um astro de cinema veterano percebe que construiu a própria identidade sobre personagens, entrevistas e a administração constante da imagem pública. A morte de um diretor que marcou o início de sua carreira desencadeia uma crise que afeta família, trabalho e autoestima. Tentando se reconectar com a filha mais nova antes de sua viagem com amigas, ele revive conflitos com a filha mais velha e enfrenta cobranças de um antigo colega que ressurgiu após anos de silêncio. Impulsivamente, embarca para a Europa, onde deveria apenas participar de uma homenagem em um festival, mas acaba perseguindo a jovem pelas cidades onde ela tenta aproveitar férias simples e anônimas. Ao lado de seu gerente, atravessa hotéis luxuosos, trens superlotados, encontros constrangedores e a ameaça constante de um processo que pode arruinar sua reputação. Entre humor ácido e angústia íntima, a história questiona se ainda existe tempo para ser alguém além da persona que o mundo conhece.
Divulgação / Black BearNeste drama contemplativo passado no início do século 20, um lenhador solitário constrói a vida aos poucos nas florestas remotas do Noroeste dos Estados Unidos. Órfão desde criança e acostumado ao trabalho duro em serrarias e obras de ferrovia, ele encontra refúgio ao formar família com uma jovem da região e a filha do casal. As longas temporadas de serviço longe de casa anunciam o preço que o progresso cobra: locomotivas cortam paisagens antes intocadas, pontes surgem sobre rios selvagens e o tempo de convivência com quem ama se torna cada vez mais escasso. Uma tragédia ligada a um incêndio devastador rompe essa frágil felicidade e o empurra para décadas de isolamento, marcadas por lembranças, aparições e a sensação de ter ficado para trás em um país que se moderniza à sua revelia. A narrativa acompanha toda a vida desse homem comum, do tempo dos cavalos à era espacial, transformando perdas silenciosas, pequenos gestos e encontros com figuras excêntricas numa meditação sobre memória, culpa e a passagem do tempo.



