Uma vez me peguei discutindo com um português que, diante de minhas frases em “brasileiro”, ficou me corrigindo. Discutimos e o gajo, irritado, mandou:
— A língua é nossa, o sotaque é vosso!
Ele achou que esse argumento era definitivo, se achava dono da língua e então eu é que fiquei irritado, com vontade de pedir para ele devolver o nosso ouro, como fazem os brasileiros nessas ocasiões, ou dizer que nós, brasileiros, somos mais de 200 milhões e eles, portugueses, apenas 10 milhões; portanto, nós já tomamos a língua, que agora é nossa. Mas resolvi ficar calado, não adiantaria nada; ele provavelmente retrucaria que são 200 milhões de brasileiros a falar errado.
Um dia eu estava na sala de espera de um consultório dentário, e a música que tocava no alto-falante era de um cantor português moderninho, um tal de Zambujo, que gravou um disco cantando músicas do Chico Buarque. Eu comecei a cantarolar baixinho, sabia a letra de cor, mas achei que havia algo estranho. Logo descobri o motivo do meu estranhamento: é que o gajo corrigiu os versos do Chico! Sim, o cara mudou palavras ou a conjugação de verbos para que ficassem corretas aos ouvidos lusitanos. Minha vontade foi me levantar e ir embora, mas o tratamento dentário já estava pago e eu não podia perder aquela grana.
Na verdade, essa discussão sobre quem fala o português correto ou quem é o dono da língua portuguesa é bem babaca. Brasil e Portugal falam português, mas nem Brasil nem Portugal são donos da língua, que não surgiu em Portugal, mas veio do galego, que, por sua vez, veio do latim, que veio sei lá de que língua e daí para trás até chegar ao verdadeiro criador da língua que deu origem a todas essas, que deve ter sido um neandertal. Portanto, se existe algum dono da língua, ele deve ser o homem das cavernas que gritou a primeira coisa que fez algum sentido. Provavelmente foi algo como: “Caralho! Um leão!” ou algum grunhido que significava isso. Esse cara, sim, poderia grunhir “a língua é minha, o sotaque é de todos daqui pra frente!”, mas duvido que tivesse vocabulário para tal.
A verdade é que essa discussão de quem fala o verdadeiro português ou o português mais correto sempre acontece e não há vencedores. O pessoal lá da terrinha acha que ganha a briga e nós também. Eles vão ficar o resto da vida a nos corrigir. E nós, rindo deles!


