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Filme que deu a Tom Hanks sua primeira indicação ao Oscar chega à Netflix e vai te arrebatar de volta para os anos 80 Divulgação / Twentieth Century Fox

Filme que deu a Tom Hanks sua primeira indicação ao Oscar chega à Netflix e vai te arrebatar de volta para os anos 80

Rever “Quero Ser Grande“ hoje traz uma sensação semelhante à de reencontrar um amigo de infância que, apesar das rugas acumuladas, ainda guarda um brilho inegociável no olhar. A história de Josh, vivido por Tom Hanks, nunca funcionou apenas como uma fantasia lúdica sobre amadurecer antes do tempo; ela se converte em uma reflexão sobre como a vida adulta constrói seus próprios labirintos e como, mesmo dentro deles, ainda é possível ouvir o eco das primeiras alegrias. O ponto de partida é simples: Josh, um garoto comum de doze anos interpretado inicialmente por David Moscow, pede a uma máquina chamada Zoltar que o torne grande. No dia seguinte, desperta no corpo de um homem. A trama parece, à primeira vista, guiada por um truque mágico, mas cada cena acaba revelando um inventário mais profundo sobre os ritos de passagem que a sociedade costuma acelerar ou sabotar.

O que torna a jornada de Josh tão envolvente é a forma como ele transita por um mundo corporativo que exige competência, autocontrole e decoro, exigências que soam estranhas ao olhar ainda inocente que ele mantém. O roteiro explora esse atrito ao colocá-lo diante de figuras adultas que incorporam diferentes versões da convenção social: Paul, vivido por John Heard, cuja rigidez beira a competitividade infantil camuflada; Susan, interpretada por Elizabeth Perkins, que se aproxima de Josh sem perceber, de imediato, que seus impulsos espontâneos derivam não de excentricidade, mas da sinceridade desarmada de alguém que não aprendeu a manipular expectativas. Esses encontros constroem uma tensão que não depende de grandes gestos, mas do contraste permanente entre um ambiente desenhado para aparências e alguém que ainda não aprendeu a fingir.

A presença de Billy, interpretado por Jared Rushton, mantém um fio de conexão com o mundo original de Josh. Ele representa o último território seguro antes de o personagem ser tragado por um universo que recompensa o cansaço como se fosse mérito. Quando Billy se frustra por ver o amigo mergulhar no cotidiano adulto, o filme esclarece, sem discursos didáticos, como a aceitação do novo status de Josh começa a corroer as delicadezas que o definiam. O filme constrói essa mudança de forma gradual, permitindo notar quando a espontaneidade dá lugar a pequenos traços de acomodação. É nesse limite que a narrativa se torna mais instigante, sugerindo que crescer rapidamente cobra um preço que nem sempre percebemos enquanto pagamos.

Ao mesmo tempo, os momentos de descoberta que Josh vive, como o improviso ao lado de MacMillan, interpretado por Robert Loggia, no piano gigante, funcionam como lembretes de que a vitalidade infantil não precisa desaparecer para que alguém cumpra responsabilidades adultas. A cena, tão lembrada por espectadores de diferentes gerações, não se sustenta apenas na nostalgia: ela se apoia no contraste entre dois homens que recuperam, ainda que por minutos, uma leveza que seu cotidiano profissional trata como fraqueza. Esses instantes oferecem uma chave de leitura para o restante do filme, sugerindo que o amadurecimento não deveria exigir a renúncia ao encantamento.

A relação de Josh com Susan amplia essa dimensão ao expor o limite emocional que separa um adulto de alguém que apenas ocupa o corpo de um. Susan reconhece algo raro naquela espontaneidade, mas só aos poucos compreende o abismo entre comportamento e maturidade. Não se trata de uma relação construída à base de estranhamentos superficiais, mas de um encontro que evidencia a distância entre duas temporalidades internas. O filme se fortalece nesse ponto ao evitar soluções fáceis: não há moral pronta, e sim uma percepção progressiva de que cada escolha acelera ou retarda a entrada definitiva no mundo adulto.

Quando Josh decide retornar à sua idade real, o filme abandona qualquer tentação de transformar a experiência em lição definitiva e prefere sugerir que o percurso só ganha sentido porque é vivido no limite entre fascínio e perda. Ao vê-lo caminhar de volta à infância, o espectador se confronta com a pergunta incômoda que atravessa toda a narrativa: quanto da nossa vida adulta é resultado de vontade própria e quanto é apenas resposta mecânica a expectativas alheias? Essa dúvida, plantada com aparente suavidade, acaba se tornando o ponto mais persuasivo do filme.

“Quero Ser Grande“ permanece relevante porque recusa versões simplistas da nostalgia e, em vez disso, investiga o conflito entre a memória do que fomos e a construção contínua do que nos tornamos. O filme sugere que o encantamento não pertence apenas ao passado; ele pode sobreviver, desde que não nos rendamos totalmente ao cinismo que o mundo adulto vende como maturidade. É essa tensão, sempre em movimento, jamais encerrada, que dá à história de Josh uma força que ultrapassa gerações.

Filme: Quero Ser Grande
Diretor: Penny Marshall
Ano: 1988
Gênero: Comédia/Drama/Fantasia/Romance
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★