“O Esquema Fenício“ parece nascer de uma inquietação antiga de Wes Anderson: a fantasia de que o caos do mundo real pode ser reduzido a um conjunto ornamental de cores precisas e gestos cronometrados. A história gira em torno de Zsa Zsa Korda, interpretado por Benicio Del Toro, um magnata excêntrico que confunde ambição com destino pessoal e decide reconfigurar a infraestrutura de uma nação inteira como se estivesse reorganizando prateleiras de uma loja de antiguidades. O plano é tão grandioso quanto moralmente duvidoso, ainda mais quando o industrialista tenta driblar rivais e compradores irritados enquanto se apoia em uma lógica corporativa que já não convence nem aos seus aliados mais fiéis. Anderson utiliza esse protagonista como um agente de turbulência, alguém que age com a convicção de quem acredita controlar todos os detalhes, mesmo quando tudo aponta para o contrário.
Ao lado dele seguem duas figuras que carregam o peso simbólico da narrativa. Mia Threapleton dá vida a Liesel, uma jovem prestes a ingressar na vida religiosa e que, apesar disso, é subitamente transformada na herdeira improvável de um império manchado por decisões duvidosas. A relação entre os dois nunca encontra repouso: há tensão, constrangimento contido e uma espécie de afeto interrompido que Anderson explora com delicadeza, ainda que sem aprofundar a angústia que esses personagens insinuam. Michael Cera interpreta Bjørn, o secretário obcecado por insetos que observa tudo com o olhar clínico de quem sabe que a lógica do patriarca é, no mínimo, instável. Ele funciona como um mediador silencioso entre pai e filha, oferecendo comentários secos e precisos que, paradoxalmente, trazem humanidade à jornada.
O enredo se desenvolve enquanto os três cruzam territórios que misturam política, vaidade e negócios obscuros, tentando garantir o sucesso de um projeto monumental bancado por promessas frágeis. A narrativa se alimenta do contraste entre a rigidez planejada pelo protagonista e as ironias que se acumulam no trajeto. Cada negociação, cada encontro diplomático e cada aparição de eventuais aliados revela um mundo onde a ambição corporativa escorre por todas as brechas possíveis. O humor surge nas frestas, não como alívio, mas como registro da artificialidade por trás de discursos grandiosos, especialmente quando Zsa Zsa tenta convencer investidores de que sua visão vai além da busca por poder.
O filme mantém o rigor visual de sempre, mas sua energia narrativa ganha intensidade justamente nas imperfeições dos personagens. A fragilidade emocional de Liesel, a excentricidade metódica de Bjørn e a arrogância cansada de Zsa Zsa compõem um triângulo que poderia render camadas ainda mais densas, mas que, mesmo assim, sustenta a trama com ritmo constante. O roteiro se apoia em diálogos rápidos, cenas de construção engenhosa e uma atmosfera em que tudo parece simultaneamente calculado e à beira do colapso. Anderson brinca com essa instabilidade como quem tenta reorganizar o próprio repertório, procurando uma fresta de renovação dentro daquilo que já se tornou marca registrada.
Apesar de seu brilho técnico, “O Esquema Fenício“ deixa uma sensação de incompletude emocional, como se o filme tivesse medo de abandonar a superfície estética para enfrentar de forma direta o dilema ético que atravessa Zsa Zsa e Liesel. Ainda assim, existe algo cativante na forma como os personagens se movem dentro de um sistema que ameaça engoli-los, revelando pequenas contradições que, no fundo, são o que impedem a narrativa de desmoronar. O longa não se transforma em revelação, mas funciona como um lembrete de que até diretores acostumados ao controle absoluto encontram vitalidade quando se permitem vacilar. Anderson parece buscar exatamente isso: a chance de reencontrar energia criativa no descompasso que ele próprio provoca.
★★★★★★★★★★




