Vencedor do Oscar de edição e som, “Falcão Negro em Perigo“ é uma superprodução de Ridley Scott com orçamento aproximado de 92 milhões de dólares, com bilheteria de 173 milhões. Embora tenha quase dobrado seus custos no cinema, os lucros ficaram aquém do esperado. Mas o sucesso com a crítica foi maior que com o público. O roteiro foi escrito com base no livro “Black Hawk Down: A Story of a Modern War“, uma investigação aprofundada do jornalista Mark Bowden, que inclui documentos militares, entrevistas e relatos orais. Embora Ken Nolan tenha sido creditado como roteirista, o script passou por várias mãos antes do produto final, incluindo revisões de Steven Zaillian e intervenções diretas do produtor Jerry Bruckheimer.
Ambientado em 1993, pós queda da ditadura de Siad Barre na Somália, governo que foi apoiado tanto pelos Estados Unidos quanto pela União Soviética em momentos diferentes da Guerra Fria, o sistema político do país entra em colapso devido ao vácuo no poder. Com isso, o líder de milícia Mohamed Farrah Aidid, visto por parte da população como liderança legítima em um contexto de ausência de Estado, passa a interceptar a ajuda humanitária e a distribuição de alimentos e medicamentos da Organização das Nações Unidas (ONU), usando os mantimentos como moeda de poder e controle territorial. Enquanto isso, milícias combatiam umas contra as outras, provocando uma onda de violência brutal e dificultando qualquer tentativa de estabilização.
A ONU decidiu fortalecer sua autoridade e pressionar por uma estabilização política mais ativa, o que desagradou Aidid. Em junho de 1993, em Mogadíscio, um ataque coordenado por sua milícia matou 24 soldados paquistaneses em missão de paz, episódio que desencadeou a decisão da ONU e dos Estados Unidos de perseguir diretamente sua liderança. O filme retrata uma missão do exército americano para capturar dois tenentes de Aidid. Uma operação pensada para ser simples e de rotina, com duração aproximada de 30 minutos, acabou se estendendo por cerca de 17 a 18 horas, resultando na morte de 18 soldados americanos (além de mais de 70 feridos).
A operação foi marcada por erros de planejamento e execução, amplamente televisionada, e é considerada um grande fracasso do governo norte-americano até hoje. Scott nos apresenta dois tipos de soldados: os jovens e inexperientes, assustados e ao mesmo tempo empolgados com a perspectiva de entrar em ação; e os mais experientes, que subestimaram a capacidade tática dos somalis e trataram a missão como algo praticamente garantido. O amadorismo operacional aliado à confiança excessiva é definitivamente algo que fica explícito no enredo.
Mas o que os soldados encontram lá é completamente diferente. Eles ficam encurralados pelas ruas estreitas e labirínticas da capital. Os helicópteros voam baixo demais e acabam sendo atingidos por RPGs. Além disso, um número enorme de civis e milicianos aderem à resistência contra o exército americano. São inúmeros atiradores escondidos em telhados, janelas, becos e vielas. Embora o número de somalis mortos tenha sido muito superior, as baixas americanas não eram esperadas. O fracasso da missão levou o presidente Bill Clinton a determinar a retirada das tropas do país meses depois, algo que foi interpretado por Aidid como uma vitória política e simbólica.
Com cerca de duas horas e meia de duração, o filme de Scott tem um visual impressionante e realista, com efeitos de CGI discretos e convincentes, fotografia crua e um ritmo constante que nos mantém ligados do início ao fim. O clima de tensão é persistente, e as atuações contribuem para o bom desempenho do filme. Inúmeros atores que à época não eram tão famosos, mas que posteriormente se sobressaíram em Hollywood, compõem o elenco. Ali, no auge da fama, estavam Josh Hartnett, Ewan McGregor e Tom Sizemore. Atores que viriam a estourar nos anos seguintes, como Eric Bana, Orlando Bloom, Hugh Dancy, Tom Hardy e outros, também têm participações importantes. Além dos veteranos Sam Shepard, William Fichtner e Jason Isaacs, formam um elenco extraordinário que molda esse sucesso do cinema de guerra moderno.
Embora a qualidade técnica do filme impressione, assim como o ritmo frenético, é como se o roteiro tivesse esquecido de algo importante. Falta um pouco de comentário social. Afinal, Scott deixa passar batido que as guerras produzem traumas sociais profundos e são frutos de um tabuleiro de xadrez político cruel. O que houve com a Somália, que até hoje não é plenamente estável politicamente, é resultado de décadas de interferências externas durante a Guerra Fria, do colapso institucional e do apoio intermitente das potências a regimes e facções rivais. Os Estados Unidos, entre outros atores internacionais, tiveram participação direta no caos geopolítico da região. Além disso, Scott não se preocupa em retratar a população somali, em humanizá-la, em colocá-la sob uma lente de empatia. Ali, ele apresenta os habitantes de Mogadíscio sob um viés “orientalista”, reduzindo-os a uma massa inimiga e reforçando o imaginário do “eu contra eles”.
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