A guerra provoca uma espécie de aversão e fascínio. Ao mesmo tempo em que alguns se sentem encantados pelo patriotismo, heroísmo e bravura que ela simboliza, outros a enxergam como uma carnificina desleal, uma disputa de poder e autoridade entre aqueles que estão dentro de gabinetes de luxo e apenas usam cidadãos devotos de sua nação como instrumentos de ganância e crueldade. Na história, as guerras foram definidoras para governos, territórios, culturas e povos. Elas deixaram cicatrizes que ressoam eternamente e marcas que para sempre produzirão rastros culturais.
Se na literatura, no teatro e no cinema os soldados são lembrados com glória e coragem, na vida real as coisas são muito mais complexas. A guerra não deixa apenas marcas históricas, mas pessoais, familiares, íntimas. Feridas que viram tabus porque não podem ser pronunciadas. Afinal, a imagem heroica do soldado deve ser mantida intocada. Mas o que realmente precisa ser dito é que aqueles enviados às guerras não são deuses, guerreiros míticos ou figuras inalcançáveis. Pelo contrário, são pessoas, homens e mulheres de carne e osso, que não foram feitos para matar indistintamente. Guerras provocam traumas em civis, mas também nos soldados.
Em “Traumas de Guerra: 1861-2010“, documentário produzido pela HBO e apresentado por James Gandolfini, estrela de “Família Soprano“, é investigado o estresse pós-traumático de combate, transtorno sofrido por grande parte daqueles que já estiveram em um campo de batalha. E não, não é coisa de uma geração “Nutella”, de uma juventude que não sabe lidar com sofrimento e dor, ou de homens que nasceram mais frágeis e menos “masculinizados”. Para comprovar isso, o documentário apresenta cartas assinadas pelo soldado Angelo Crapsey, que combateu na Guerra Civil Americana a partir de 1861.
Suas primeiras cartas relatam otimismo e idealismo. O soldado está pronto para cumprir seu papel e animado por ter a oportunidade de se tornar um herói honrado para sua família. Conforme seu tempo no exército passa, integrando diversos combates, seu ânimo vai se dissipando e sua força de espírito se diluindo. Angelo enviava cartas a familiares e amigos descrevendo seus dias como soldado e, a cada uma delas, parecia se tornar mais cético e pessimista em relação ao que testemunhava. Ele se suicidou com apenas 21 anos, após ser mandado de volta para casa devido aos surtos psicóticos que passou a sofrer depois de vários confrontos.
E assim o roteiro encontra várias outras histórias relacionadas à Primeira e à Segunda Guerra, à Guerra do Vietnã e a conflitos recentes no Oriente Médio. Em todos esses episódios históricos, novos personagens são apresentados. Homens e mulheres que jamais puderam ser eles mesmos, que jamais puderam contemplar a alegria de viver ou reencontrar a paz dentro de suas mentes depois de irem à guerra. Nem mesmo famílias com gerações de soldados passaram ilesas. Mesmo naqueles ambientes em que a carreira militar parecia ser uma aspiração herdada, houve traumas. Famílias afetadas, lares destruídos, sanidade diluída pelos horrores da guerra.
Muitos casos terminaram de forma trágica, e os familiares abrem o jogo sobre como o governo prepara homens para se tornarem máquinas de matar, mas não os ensina a retornarem ao convívio social. Sabe por quê? Porque isso não é possível. Uma vez quebrada a humanidade, há algo muito profundo e pessoal que jamais pode ser reconstruído. Eles são despersonalizados e moldados para matar sem sentir ou pensar. E esse é um caminho sem retorno. Matar indiscriminadamente cobra seu preço moral, ético e filosófico. Não passamos por centenas de séculos para nos civilizarmos apenas para retornar às nossas origens bárbaras. A guerra é um retrocesso da humanidade.
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