Dose generosa de pastelão com Steve Martin, na Netflix, que vai levantar qualquer astral Divulgação / Twentieth Century Fox

Dose generosa de pastelão com Steve Martin, na Netflix, que vai levantar qualquer astral

A sensação inicial ao rever “Doze é Demais” é a de reencontrar uma família que insiste em existir como um pequeno país soberano, governado por um casal que acredita ter domínio sobre fronteiras que nunca foram realmente suas. Tom Baker, vivido por Steve Martin, assume logo de cara o papel de comandante de uma nação em colapso iminente, tentando conciliar o cargo recém-ofertado de treinador de um time prestigioso com o funcionamento interno de uma casa onde doze crianças orbitam em velocidades distintas. Kate Baker, interpretada por Bonnie Hunt, observa tudo com a prudência de quem já percebeu que a estabilidade doméstica depende menos da disciplina e mais da capacidade de improvisar.

A mudança para a cidade grande funciona como catalisadora do caos. Cada filho encontra novas possibilidades de desordem emocional, social ou simplesmente física, enquanto o pai insiste em acreditar que pode manter alguma coerência interna. Tom Welling, Hilary Duff e Piper Perabo atravessam o cotidiano familiar como se disputassem uma maratona silenciosa pelo direito de serem notados. E no meio desse turbilhão, há ainda o namorado desastrado da filha, interpretado por Ashton Kutcher, que parece existir exclusivamente para ser derrotado pela criatividade implacável dos irmãos menores. A casa, nesse contexto, não é um lar: é um laboratório de sobrevivência coletiva.

O que torna essa versão curiosa é a tentativa constante de equilibrar afetos sinceros com uma comédia que aposta no exagero. A diretora Shawn Levy investe em situações que beiram o absurdo, mas sem se desconectar completamente daquilo que, no fundo, sustenta o filme: a ideia de que nenhum adulto tem pleno controle sobre a vida que escolheu construir. E nesse ponto, o roteiro oferece momentos de diversão genuína. As trapalhadas envolvendo o jantar, o treino e até os episódios de sabotagem improvisada dos irmãos funcionam como pequenos lembretes de que a convivência familiar, quando ampliada a esse nível, se aproxima mais de uma experiência antropológica do que de um cotidiano minimamente organizado.

O filme, porém, não tenta competir com a sutileza das versões anteriores. Ele prefere abraçar a energia bagunçada de Steve Martin, que conduz as cenas com uma mistura de desespero cômico e ternura interrompida. E mesmo quando o ritmo tropeça ou a narrativa se estende além do necessário, existe um tipo de honestidade ali: a confusão é real, a exaustão é real, e o afeto que escapa entre um desastre e outro também é. O reencontro final da família, que acontece sob a pressão do colapso generalizado, funciona justamente porque dispensa grandes discursos. Todos já estão cansados demais para fingir que entendem o manual de instruções da própria existência.

No fim, “Doze é Demais” revela que a graça do filme não está na disciplina impossível, mas no fracasso compartilhado. Não há lições profundas escondidas entre as malas da mudança nem nas arquibancadas do novo emprego. Existe apenas um grupo de pessoas tentando se reconhecer no meio da barulheira. E talvez seja isso que ainda desperte algum encanto: perceber que, dentro do tumulto, sobrevive um afeto persistente, aquele que não precisa ser perfeito para ser verdadeiro.

Filme: Doze é Demais
Diretor: Shawn Levy
Ano: 2003
Gênero: Comédia
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★