Poucos projetos recentes revelam de forma tão nítida a dificuldade de conciliar ambição estética com rigor narrativo quanto “Elvis”. A proposta de revisitar a trajetória de Elvis Presley, conduzida por Baz Luhrmann, parte de um princípio que poderia render um estudo sólido sobre ascensão, exploração e desgaste público. No entanto, o filme decide percorrer um caminho que privilegia intensidade visual acima de coerência dramática, confiando que o magnetismo de Austin Butler sustentaria a estrutura. De fato, Butler realiza um esforço admirável, incorporando com precisão gestual e vocal cada fase do personagem, do jovem inquieto ao artista exausto. Mas a força individual da atuação não compensa as escolhas de uma direção que parece ansiosa demais para sublinhar cada emoção.
A narrativa acompanha Elvis desde a infância marcada por vulnerabilidades financeiras até sua redescoberta profissional nos anos 1960, passando por episódios decisivos como o impacto inicial no rádio, o fascínio imediato dos adolescentes, o período no serviço militar e o casamento com Priscilla, interpretada por Olivia DeJonge. Esses elementos, centrais para compreender o posicionamento de Elvis na indústria cultural de seu tempo, acabam frequentemente sacrificados em nome de uma montagem frenética, especialmente na primeira parte do filme. O encadeamento abrupto de eventos reduz a densidade das relações, transformando momentos-chave em sucessões de estímulos visuais que dificultam qualquer leitura mais profunda.
Tom Parker, vivido por Tom Hanks, funciona como eixo narrativo e ponto constante de fricção. A relação entre o empresário e o cantor, marcada por manipulações financeiras e dependência emocional, poderia ter fundamentado uma reflexão sobre o modo como a indústria molda e desgasta seus ídolos. Contudo, a escolha de entregar a Parker o controle do discurso transforma o filme em algo que se distancia do próprio Elvis. O personagem interpretado por Hanks recebe um volume desproporcional de tempo e explicações, enquanto o desenvolvimento psicológico do artista fica comprimido. O resultado é um desequilíbrio evidente: para reforçar a figura do manipulador, reduz-se a complexidade do manipulado.
Quando a narrativa desacelera e permite que Butler assuma o centro sem interferências excessivas, o filme alcança seus melhores momentos. Os números musicais recriam, com precisão histórica suficiente, a energia do palco e o impacto que Elvis provocava em sua audiência. Nessas passagens, o ator demonstra pleno domínio do personagem, revelando tanto o vigor dos primeiros shows quanto o desgaste emocional do período em Las Vegas. Infelizmente, essas sequências funcionam mais como ilhas de lucidez do que como parte orgânica de um conjunto coeso.
O excesso de explicações simbolicamente carregadas, as transições bruscas e a tendência a reforçar intenções óbvias fragilizam o potencial reflexivo do filme. O que poderia ser uma análise consistente sobre fama, apropriação cultural e dependência institucional torna-se um conjunto de blocos dramáticos desconectados. A sensação é a de que “Elvis” tenta discutir simultaneamente grandeza artística e decadência humana, mas se perde ao privilegiar um discurso filtrado por quem, na história real, sempre distorceu o centro dos acontecimentos. Butler sustenta a experiência; o restante oscila entre o grandioso e o disperso, sem estabelecer uma síntese que dê conta da complexidade de uma figura tão marcante da música popular.
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