Sequência do maior sucesso de língua não inglesa da Netflix acaba de chegar! Divulgação / Netflix

Sequência do maior sucesso de língua não inglesa da Netflix acaba de chegar!

“O Troll da Montanha 2” começa como quem abre um livro antigo em língua que ninguém mais lê, mas cuja cadência ainda ecoa num canto remoto da memória. O filme se apoia justamente nessa fricção entre o que a modernidade tenta soterrar e aquilo que insiste em pulsar por baixo das camadas de concreto, tablets e promessas de eficiência. Logo na abertura, um monólogo sobre os jötunn estabelece a chave interpretativa: criaturas que não sucumbiram apenas ao peso de montanhas, mas ao zelo missionário que reescreveu crenças e varreu mitos como quem troca acessórios de uma vitrine. Daí em diante, o filme articula esse passado ferido às desordens contemporâneas com uma leveza quase insolente.

Nora Tidemann, vivida por Ine Marie Wilmann, retorna marcada por dilemas que o mundo tenta simplificar e ela insiste em complicar, o que costuma ser o caminho mais honesto. Sua experiência no primeiro encontro com um troll deixou cicatrizes que não se acomodam bem na narrativa oficial, essa que transforma eventos extraordinários em relatórios pasteurizados. Ainda isolada e descrente de que alguém queira ouvir suas conclusões, Nora é convocada de novo quando um novo colosso se mexe sob a terra. Andreas Isaksen, interpretado por Kim Falck, faz o papel do mensageiro involuntário que, com a naturalidade de quem cita clássicos pop como quem comenta o clima, revela que a história está prestes a repetir seus espasmos.

O que se segue é uma jornada que combina investigação arqueológica, corrida contra o relógio e uma sucessão de paisagens que parecem existir apenas para reafirmar que nem toda beleza precisa ser domesticada. O diretor coloca Nora, Andreas, o Major Kristoffer Holm de Mads Sjøgård Pettersen e a recém-chegada Marion de Sara Khorami diante de cavernas que guardam mais do que estalactites, de igrejas que abrigam segredos que dispensam interpretações piedosas e de cidades que encaram o improvável com a mesma praticidade com que lidam com horários de trem. É nesse movimento que o filme rende seus melhores momentos: quando dois trolls irrompem na narrativa, um como ameaça e outro como possível aliado, e obrigam os humanos a confrontar mais do que o perigo imediato.

A dinâmica entre esses personagens funciona porque o roteiro abraça uma ironia sutil: mesmo quando o mundo desaba, as conversas ainda circulam entre pequenas provocações, citações fora de hora e conflitos que lembram reuniões mal resolvidas. Marion, por exemplo, passa de presença incômoda a peça fundamental de forma quase imperceptível, como se o filme estivesse interessado em desestabilizar expectativas para sugerir que convicções não nascem prontas. Já Nora, guiada por um afeto quase instintivo pelos trolls, leva o filme a zonas em que ação e contemplação convivem sem atrito. Sua tentativa de decifrar as reações dessas criaturas funciona como contraponto às soluções apressadas dos militares e dos burocratas, sempre tentados a transformar qualquer evento incompreensível em oportunidade para ampliar protocolos.

Mesmo assim, o filme não escapa de tropeços. Certos sacrifícios são planejados com a delicadeza de quem resolve problemas com marreta; momentos decisivos surgem sem a densidade que mereciam; decisões narrativas jogam personagens em direções contraditórias como quem experimenta alternativas de última hora. Mas, curiosamente, essas falhas não anulam o encanto do que está no centro da história: a tentativa de reaproximar pessoas e monstros sem exigir que nenhum deles se encaixe numa fábula reconfortante. A sequência de batalhas entre trolls, apesar de previsível, opera quase como distração para o que o filme realmente pretende: reativar a pergunta sobre como lidamos com o que nos antecede e o que não controlamos.

Quando uma nova ameaça é insinuada ao espectador, a sensação não é de mero aceno comercial para uma continuação, mas de que esses mitos ainda têm muito a dizer, não sobre bravura ou terror, mas sobre tudo que foi silenciado ao longo dos séculos. Talvez o maior mérito de “O Troll da Montanha 2” seja justamente esse: lembrar que algumas narrativas só ganham força quando nos obrigam a admitir que o mundo ainda tem zonas de sombra que nenhum holofote pretende iluminar.

Filme: O Troll da Montanha 2
Diretor: Roar Uthaug
Ano: 2025
Gênero: Ação/Aventura/Drama/Fantasia/Suspense
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★