Para os padrões brasileiros, era um domingo frio, dado que os termômetros marcavam seus oito, nove graus. Por aqui, um típico dia ensolarado de outono. Para mim, era um clima ameno.
Cientes de que poderia ser a última chance de um domingo pleno de sol no ano de 2025, resolvemos botar as magrelas no carro e dirigir hora e meia até o imenso, impávido colosso, litoral esloveno — uma meia dúzia de cidadelas espalhadas por uma costa de 46 quilômetros e 600 metros, veja só.
Há beleza, é claro. Já de muito tempo atrás percebi que tenho uma relação ensimesmada, ímã e amalgamante com a água. Criança gostava de ver, se possível fosse, todos os dias o lago artificial do centro de minha Taquarituba natal — na época acho que era apenas este, hoje o município tem uma coleção de brejos transformados em lagoas.
Terminou que vim parar na cidade onde existe o lago mais lindo do mundo. E não estou sendo petulante nem exagerado. Sou realista.
Mas o mar tem qualquer coisa de diferente, além do sal. Talvez evoque o passado de curiosidade humana, de descobertas. Talvez provoque o calafrio pela constante ameaça do maremoto, do naufrágio, do afogamento, dos monstros mitológicos, da maresia corroendo a lataria dos carros.
O mar tem isso e todo o resto. O todo o resto é a muleta linguística para o etc. que não está pronto para ser escrito, que não foi devidamente formulado por antecipação. Mas existe. Está. É.
A dado momento do passeio dominical, paramos as bicicletas para apreciar o mar. Não dava para arriscar um mergulho, embora o calção estivesse na mochila. O vento era gelado. Meu filho pegou umas pedrinhas e começou a jogar, uma a uma, provocando aqueles saltos onomatopaicos pedra água, pedra água, pedra água. Acho que estávamos em Portorož.
Pedrágua.
Pedrágua.
Pedrágua.
Olhei para aquela paisagem, o sol batendo de leve no mar, fazendo como que uma réstia. Um sol moribundo já, baleado. As estações do ano delimitadas sempre me colocam a pensar. O sol que se cansa, morre no inverno. Como se viesse outro, ano depois, abrindo a primavera e anunciando que a vida continua.
Outono. Outubro. Ou tudo. Ou nada.
Pedraguinha, pedraguinha, pedraguinha.
Aí eu me lembrei do Dorival Caymmi. Com triste melancolia outonal, com banzo mesmo. Pensei nos versos “o mar/ quando quebra na praia/ é bonito/ é bonito”. Nem tem onda essa praia. Nem tem praia esse mar. Cadê a areia?
É um amontoado de pedra.
É uma praia onde o mar não quebra, só encosta. Educação europeia, como se a água pedisse licença.
Emendei o pensamento com seus contornos de corda de atracar embarcação e fui para “o samba da minha terra” aquele que “deixa a gente mole/ quando se canta, todo mundo bole”. Aqui não tem samba, não tem fartura. Festas, poucas e boas, são com polca. Assobiei “Marina morena”. Onde estão as morenas nesta praia de pedras?
Porque tudo o que é exótico cativa e também porque o marketing tem um peso para consolidar verdades no imaginário das pessoas, há uma ideia um tanto supremacista do azul do mar de praias europeias, uma cor que só haveria no Adriático ou no Mediterrâneo, um discurso que se torna mais bonito porque acompanha de nomes em proparoxítona.
Mas quando a gente olha para a praia eslovena, os eslovenos que me perdoem, a gente entende toda a sociologia de um país. É por isso que aqui não se inventou o samba. Piran, Portorož e Koper são lindas, mas jamais conseguiriam gerar um Dorival Caymmi.
Ninguém faz samba diante de um mar que olha sério.
