O drama sufocante que virou sensação no Oscar e provoca pesadelos em quem assiste — na Mubi Divulgação / Lava Films

O drama sufocante que virou sensação no Oscar e provoca pesadelos em quem assiste — na Mubi

Assistir “A Garota da Agulha“ é exaustivo. Não que o longa-metragem sueco, indicado ao Oscar 2025 de melhor filme estrangeiro, seja ruim, maçante ou chato. Não mesmo. Na verdade, a exaustão tem mais relação com o peso das emoções que a própria história provoca no espectador enquanto se desenrola. As coisas não começam e não terminam bem. Isso não é um spoiler, porque, mesmo no início do filme, o enredo já dá sinais de tragédia e horror.

Para começar, a fotografia de Michał Dymek é de dar calafrios. Estamos falando da Suécia do início do século 20, mais especificamente do fim da Primeira Guerra Mundial. Em preto e branco, a fotografia contrastada captura a frieza do clima e das emoções. Dymek não dá enfoque às belezas arquitetônicas e históricas do lugar. Pelo contrário: suas lentes sempre enquadram o feio, a pobreza, a precariedade, a sujeira, a água parada da chuva que forma a lama.

Os cabelos dos personagens, especialmente da protagonista, Karoline (Vic Carmen Sonne), são desgrenhados. Os penteados estão caindo, descuidados. As roupas parecem sujas. O chão é empoeirado e lamacento, mesmo dentro das casas e apartamentos. Os lençóis e travesseiros estão sempre manchados, cheios de sujeira. Tudo isso reforça o clima não só de precariedade e abandono, mas também de horror. Há um toque do cinema expressionista que confere ao ambiente uma atmosfera assustadora.

A história de Karoline não é fácil. Seu marido foi para a guerra e sumiu. Ela passou o ano enviando cartas que nunca foram respondidas. Devendo mais de três meses de aluguel, é despejada pelo senhorio e forçada a encontrar um lugar mais barato. Quando vai à diretoria da confecção de roupas onde trabalha, pede ao chefe o auxílio para viúvas, mas nem isso é possível, porque não há atestado de óbito do marido desaparecido.

Jorgen (Joachim Fjelstrup), o diretor da confecção, é um jovem empresário de família nobre que parece interessado em ajudá-la. Promete obter notícias do paradeiro do marido, mas, depois de não conseguir respostas, tenta seduzi-la, e consegue. Karoline engravida do chefe, que também promete casamento. Apenas mais uma das promessas não cumpridas, já que, depois de levá-la para conhecer a mãe, ela é rapidamente expulsa da mansão após ser informada de que não haverá casamento nenhum. Como se não bastasse, também é demitida. Então, além de supostamente viúva e grávida, agora está desempregada.

Karoline tenta abortar com uma agulha no banho público, mas não consegue. Daí o nome do filme, “A Garota da Agulha”, que também funciona como um trocadilho, já que ela é costureira. No banho, conhece Dagmar (Trine Dyrholm), uma senhora que oferece ajuda para encontrar uma família para seu bebê após o nascimento. No entanto, o serviço não sairá de graça. Para que Dagmar encontre uma família adotiva para a criança, é necessário pagar uma taxa.

O marido de Karoline, nesse ponto, reaparece, porém deformado pela guerra, com metade do rosto esburacado, possivelmente por causa de uma explosão ou tiros de metralhadora. Os terrores dos campos de batalha ainda o atormentam, mesmo depois do fim da guerra. Ele tem pesadelos enquanto dorme, grita, chora e irrita a proprietária do novo apartamento alugado por Karoline. Com o nascimento da bebê, ela decide procurar Dagmar para doar a criança e é informada de que ela será entregue a uma família rica, de médicos ou advogados que não conseguem ter filhos.

Sem dinheiro para pagar a taxa solicitada por Dagmar, Karoline se oferece para amamentar os bebês que Dagmar recebe em seu “orfanato clandestino”, que funciona sob a fachada de uma doceria. Com o novo emprego, Karoline ganha também um novo lugar para dormir na casa de Dagmar, o que já reduz um pouco seus problemas. Conforme passa a viver sob o domínio de Dagmar, torna-se viciada, como ela, em remédios, e acaba presa em uma espécie de tráfico humano, no qual sua força de trabalho é explorada em troca de uma dominação total sobre seu corpo e sua mente.

Com o tempo, ela se torna dependente emocional e financeiramente de Dagmar, mas uma descoberta bombástica sobre essa mulher torna os rumos da história ainda mais dramáticos e aterrorizantes. Apesar desse clima constante de drama e terror, a montagem do filme privilegia a contenção, mantendo uma fachada de controle emocional sobre o que acontece, mesmo que tudo seja desesperador. Já quanto à trilha sonora, o filme utiliza pouquíssimas músicas e efeitos, provocando ainda mais afastamento emocional dos personagens, apesar da trama explosiva.

O tom de loucura e terror parte principalmente da fotografia e das atuações. Todos parecem estar à beira da insanidade, com olhos arregalados, sorrisos forçados, expressões que sempre denotam segundas intenções. Há ambiguidade nas ações dos personagens. É difícil acreditar em suas intenções por meio de suas expressões faciais. O sentimento final que fica após assistir “A Garota da Agulha” é de choque, tensão e esgotamento mental. O terror de Magnus von Horn é psicológico e corrói o espectador por dentro.

Inspirado em acontecimentos reais, von Horn transforma o longa-metragem quase em uma fantasia. A sensação é a de assistir a um folclore, uma fábula sombria sobre a monstruosidade humana. “O mundo é um lugar horrível”, diz Dagmar. Mas ele o é por causa de pessoas como ela. É difícil digerir essa história que fala tanto sobre maternidade. Ver um homem, como von Horn, se arriscar nesse território é um avanço. “A Garota da Agulha” transforma esse drama em horror de forma poética e sombria, de maneira majestosa.

Filme: A Garota da Agulha
Diretor: Magnus von Horn
Ano: 2024
Gênero: Crime/Drama/História
Avaliação: 10/10 1 1
★★★★★★★★★★
Fer Kalaoun

Fer Kalaoun é editora na Revista Bula e repórter especializada em jornalismo cultural, audiovisual e político desde 2014. Estudante de História no Instituto Federal de Goiás (IFG), traz uma perspectiva crítica e contextualizada aos seus textos. Já passou por grandes veículos de comunicação de Goiás, incluindo Rádio CBN, Jornal O Popular, Jornal Opção e Rádio Sagres, onde apresentou o quadro Cinemateca Sagres.