“Vampira Humanista Procura Suicida Voluntário” é um daqueles filmes que assumem riscos formais e éticos sem pedir permissão ao espectador, construindo uma experiência que oscila entre o desconforto calculado e a ironia existencial. A narrativa apresenta uma vampira que se recusa a matar e um jovem que deseja morrer, colocando em colisão duas vontades que, ao se encontrarem, abalam qualquer leitura simplista sobre vida, morte e a responsabilidade que se assume quando se toca o limite do outro. O cinema aqui não busca apenas retratar a melancolia contemporânea, mas desmontar o pacto que o público costuma firmar com histórias que tratam do desejo de desaparecer, forçando uma observação mais afiada do que significa querer sair do mundo e, simultaneamente, não aceitar ser instrumento da destruição alheia.
A figura da vampira é construída não como criatura mítica, mas como sujeito ético movido por uma contradição permanente. Há nela uma recusa visceral à ideia de tirar vidas, mas também um incômodo com a própria imortalidade, como se existisse numa suspensão que nenhuma escolha é capaz de resolver. O encontro com o suicida voluntário não surge como solução, e sim como provocação: se ela se abstém de matar por princípio, por que consideraria um pedido que, apesar de surgir como dádiva, é profundamente atravessado por uma fragilidade que nenhum pacto silencioso conseguiria sustentar? O conflito que se formará entre esses dois polos vai muito além da relação entre predador e presa, atingindo o coração de uma questão que o filme insiste em arrastar por todas as suas cenas: até que ponto alguém pode ser responsável pelo fim de outra vida, mesmo quando essa vida clama por encerramento?
O jovem suicida, por sua vez, se apresenta como personagem que oscila entre a banalidade cotidiana e a profundidade de uma dor que não sabe nomear. Sua fala nunca é dramatizada em excesso, o que torna o sofrimento ainda mais evidente. Ele não é construído como mártir e tampouco como vítima de um mundo cruel, mas como alguém que se percebe esgotado por uma existência que não oferece mais espaços de respiro. Quando encontra a vampira, enxerga nela a promessa de um fim rápido, limpo e quase ritualístico. No entanto, o filme se esforça para frustrar essa expectativa desde os primeiros instantes, desmontando a lógica de um acordo que poderia transformar a morte em transação. É nesse ponto que a narrativa atinge seu brilho mais incômodo: ao recusar a romantização do suicídio, ao rejeitar a ideia de que o desejo de morrer pode ser embalado como escolha lúcida, o filme obriga o espectador a encarar a vulnerabilidade radical de quem não vê mais sentido no próprio percurso.
A direção utiliza um humor sombrio que nunca vira deboche e nunca transforma a dor em espetáculo. É um humor que se infiltra como estratégia de sobrevivência, criando um contraste que evidencia ainda mais a tensão ética entre os personagens. A vampira, ao tentar oferecer alternativas que não envolvam sua participação no fim do rapaz, acaba expondo a própria fragilidade e, de certo modo, sua impotência diante de um mundo que insiste em impor violência simbólica a quem tenta existir de outra maneira. Já o suicida, ao perceber que seu pedido não será atendido, começa a revelar fragmentos de uma história que sugere que sua desistência não é fruto de um único trauma, mas de uma sequência de pequenas quebras, rupturas silenciosas que se acumulam até tornarem a vida insustentável.
O ritmo do filme aposta na construção de espaços vazios, silêncios prolongados e diálogos que parecem escapar de qualquer intenção programada. Essa escolha estética transforma a obra em uma espécie de antídoto às narrativas convencionais sobre criaturas sobrenaturais, afastando o fascínio típico do gênero e privilegiando a introspecção. A fotografia reforça esse gesto, alternando sombras que não escondem e luzes que não acolhem, como se cada enquadramento estivesse decidido a exibir a contradição dos corpos que filma. A vampira, especialmente, é mostrada de modo que a imortalidade pareça um fardo, não um privilégio; sua presença carrega o cansaço de séculos, mas também uma ternura que escapa por brechas discretas.
O desfecho, sem oferecer respostas claras, reorganiza a relação entre os dois protagonistas e empurra o espectador para uma pergunta que não é confortável: quando alguém deseja morrer, qual é o papel do outro que testemunha esse pedido? O filme não aponta soluções, e justamente por isso se torna tão perturbador. A vampira, ao escolher não atender ao desejo do suicida, não resolve nada, nem para ele nem para si mesma. O que se conclui é a percepção de que a vida, mesmo quando dolorosa, não pode ser tratada como moeda de troca. E que a responsabilidade afetiva, ainda que não redima ninguém, pode impedir que uma ideia definitiva encontre terreno fértil para se concretizar.
“Vampira Humanista Procura Suicida Voluntário” se estabelece, assim, como obra que tensiona a ética, desmonta o romantismo da tragédia pessoal e apresenta um encontro que se recusa a aliviar o peso do mundo. É um filme que olha para a morte com seriedade e para a vida com estranhamento, encontrando beleza justamente no que há de mais desalinhado, incerto e impossível de domesticar.
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