Arnold Schwarzenegger em sua comédia mais caótica e nostálgica disponível na Netflix Divulgação / Twentieth Century Fox

Arnold Schwarzenegger em sua comédia mais caótica e nostálgica disponível na Netflix

“Um Herói de Brinquedo” é uma farsa natalina disfarçada de comédia familiar, uma daquelas produções em que o riso vem acompanhado de uma pontada de vergonha alheia e um tanto de melancolia. O filme, lançado nos anos 1990, parecia inocente ao colocar Arnold Schwarzenegger no papel de um pai desesperado para encontrar o brinquedo mais desejado do Natal, o famigerado Turbo Man. Mas, sob a superfície reluzente de luzes e canções festivas, o que se revela é um retrato objetivo, e cruelmente atual, do capitalismo travestido de espírito natalino. O Natal, afinal, deixou de ser um tempo de fé ou de pausa há muito; transformou-se em uma corrida olímpica de consumo, onde a culpa parental é medida em etiquetas de preço.

Howard Langston, o protagonista, é o arquétipo do homem moderno que acredita poder comprar o amor do filho e a paciência da esposa. Não há tempo, nem afeto, apenas a urgência de remediar o abandono com presentes caros. A corrida insana para conseguir o boneco é apenas uma metáfora literalizada de algo que se repete em todos os lares ocidentais, especialmente os norte-americanos: a crença de que o sucesso está naquilo que se pode adquirir. Schwarzenegger, com sua expressão permanentemente atônita, encarna um homem que tenta se redimir através do consumo, como se a salvação espiritual pudesse ser adquirida em prestações.

O filme é uma vitrine de absurdos que, paradoxalmente, refletem com precisão o próprio espectador. As lojas tomadas por consumidores histéricos, os vendedores explorando a escassez como moeda, a cidade ornamentada como um templo pagão do marketing natalino. Nada é por acaso. “Um Herói de Brinquedo” é menos sobre um pai tentando resgatar o afeto do filho e mais sobre a engrenagem publicitária que alimenta a ilusão coletiva de que o amor precisa de um recibo. A sátira é sutil o suficiente para passar despercebida pelo público que ri das confusões, mas permanece incômoda para quem enxerga o fundo ético da trama.

Há um encanto kitsch em assistir Schwarzenegger lutar contra um entregador igualmente desesperado, vivido por Sinbad, por um brinquedo de plástico. As cenas de perseguição, a violência exagerada e o humor pastelão compõem uma coreografia de caos tão absurda que se torna quase trágica. O filme se constrói sobre a lógica do excesso: luzes demais, sons demais, gente demais. É um espetáculo do ridículo, e talvez por isso funcione como retrato fiel do Natal contemporâneo, essa celebração coletiva do exagero.

O ponto mais irônico é que, no fim, o personagem de Schwarzenegger se torna o próprio Turbo Man, o brinquedo que buscava. É o triunfo do simulacro: o homem se torna produto, a fantasia substitui a realidade, e o herói de brinquedo é elevado ao status de pai ideal justamente quando se transforma em mercadoria. O público aplaude, o menino se emociona, e a mensagem de que o verdadeiro espírito natalino está no amor é diluída em purpurina e publicidade. Poucos filmes traduzem com tanta precisão a fusão entre consumo e identidade quanto este.

“Um Herói de Brinquedo” não é um bom filme em sentido técnico. O roteiro é previsível, o humor flerta com o constrangimento e a direção se perde entre o escracho e o sentimentalismo. Mas há algo fascinante em sua ingenuidade brutal, algo que o torna, de forma involuntária, um espelho fiel do mundo que o produziu. A cada Natal, quando as prateleiras se esvaziam e os pais repetem a mesma corrida desesperada por presentes, o filme se renova, não como lembrança nostálgica, mas como profecia autocumprida.

A graça amarga de “Um Herói de Brinquedo” está em perceber que ele nunca foi apenas uma comédia de fim de ano. É uma sátira sobre a fé perdida em meio às vitrines, sobre o vazio disfarçado de generosidade, sobre a tentativa humana de converter afeto em pacote de presente. Schwarzenegger talvez não soubesse que estava interpretando o retrato mais sincero da paternidade neoliberal: cansada, distraída, mas ainda acreditando que o amor pode ser comprado.

Filme: Um Herói de Brinquedo
Diretor: Brian Levant
Ano: 1996
Gênero: Aventura/Comédia
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★