Claire Danes chega hoje à Netflix com um thriller que já nasce candidato a melhor série de 2025 Divulgação / Netflix

Claire Danes chega hoje à Netflix com um thriller que já nasce candidato a melhor série de 2025

Aggie Wiggs é uma autora famosa que interrompeu a própria carreira depois da morte trágica do filho. Incapaz de continuar escrevendo e cansada de ser observada pela imprensa, ela se fecha em casa, mantém contato mínimo com o mundo e reduz o cotidiano a gestos automáticos. A rotina muda quando a casa ao lado é comprada por Nile Jarvis, magnata do mercado imobiliário que carrega a marca de ter sido o principal suspeito do desaparecimento da esposa. A proximidade física entre os dois, somada a um passado de acusações contra ele e de sofrimento para ela, abre espaço para um jogo de vigilância e aproximação em que cada frase guarda uma intenção oculta.

Em “O Monstro em Mim”, Claire Danes interpreta Aggie, enquanto Matthew Rhys vive Nile, sob a criação de Gabe Rotter e a direção de Antonio Campos em parte dos episódios. A minissérie acompanha a escritora em um momento em que o bloqueio criativo se mistura à culpa e à curiosidade. Quando descobre a identidade do novo vizinho, Aggie volta a pesquisar, lê reportagens antigas, assiste a programas sobre o caso e identifica ali uma possível saída para o livro que não consegue terminar. O interesse profissional combina com a necessidade íntima de encontrar um foco fora da própria dor, o que aproxima vítima e possível algoz de uma forma difícil de classificar.

A série estabelece cedo a distância entre a imagem pública dos dois protagonistas e o que se vê dentro de casa. Aggie aparece em fotos antigas sorridente, em eventos literários, mas hoje atravessa cômodos vazios e evita compromissos. Nile exibe discursos seguros, relações políticas e negócios vultosos, porém enfrenta rumores que insistem em marcar sua biografia. “O Monstro em Mim” acompanha essa diferença ao alternar cenas íntimas com registros de mídia, entrevistas arquivadas e conversas de bastidores, sempre com foco na maneira como essas narrativas moldam a percepção da vizinhança. O mesmo homem que atrai investimentos para a região também provoca receio em moradores que observam cada caminhão estacionado diante de sua casa.

A encenação contribui para transformar o bairro em campo de observação. As casas amplas, cercadas por jardins bem cuidados e por sistemas de segurança modernos, funcionam tanto como abrigo quanto como mirante. Câmeras, janelas e varandas fornecem ângulos que permitem acompanhar deslocamentos sem ser visto. A direção utiliza esses elementos com frequência: personagens que olham de dentro para fora, carros que desaceleram diante de portões, conversas interrompidas por um movimento inesperado na calçada. O suspense nasce da combinação entre o que se fala abertamente e o que se insinua por olhares e pequenos desvios de rota.

No centro dessa dinâmica está a relação que se forma entre Aggie e Nile. Ela se aproxima com o pretexto de conhecer o novo morador, mas guarda consigo anotações, recortes e perguntas pensadas para um livro em potencial. Ele se apresenta como um homem que sobreviveu a um linchamento moral e tenta recuperar a reputação enquanto amplia negócios. Cada encontro entre os dois desloca o equilíbrio: às vezes, Nile parece conduzir a conversa, impondo charme e controle; em outros momentos, Aggie conduz o interrogatório informal com a persistência de quem busca encaixar peças soltas de uma história. Esse movimento constante mantém o risco elevado, porque qualquer gesto de confiança pode virar arma.

O elenco de apoio reforça as frentes de pressão sobre o casal de vizinhos. A ex-esposa de Aggie, interpretada por Natalie Morales, representa a parte da vida que a escritora tenta manter à distância e que, mesmo assim, insiste em cobrar decisões. Brittany Snow, no entorno de Nile, participa de um círculo de relações que mistura família, negócios e lealdades difíceis de medir. Agentes da lei, políticos locais e parentes da mulher desaparecida aparecem ao longo dos episódios para lembrar que a vida do magnata não pertence apenas ao presente, e que o passado continua a ser revisado por diferentes instâncias. Cada uma dessas figuras adiciona uma versão, um interesse e um risco.

A série se interessa também pelo fenômeno da exposição de crimes em produtos culturais. “O Monstro em Mim” mostra programas, podcasts e reportagens que transformam casos reais em entretenimento, sempre consumidos por moradores que têm ligação direta ou indireta com a história. Aggie acompanha esse universo primeiro como espectadora e depois como possível produtora de conteúdo, já que o livro que imagina escrever sobre Nile poderia repetir o ciclo de transformar dor em mercadoria. Essa ambiguidade se torna um dos pontos mais fortes da minissérie: a autora precisa decidir se está em busca de justiça, de relevância profissional ou de uma distração para a própria culpa.

Do ponto de vista visual, a produção aposta em luzes frias e sombras marcadas para traduzir a sensação de que nada está completamente à vista. Corredores escuros, estacionamentos vazios e salas iluminadas por telas de computador dão a impressão de que tudo pode ser registrado, mas nem tudo será compreendido. A trilha sonora reforça o clima de ameaça discreta, com sons que se aproximam e recuam sem dominar a cena, enquanto a montagem alterna momentos de investigação com pausas longas em que personagens apenas respiram e pensam na próxima atitude. Esse controle do tempo favorece um tipo de suspense que não depende de choques constantes, e sim de uma pressão que aumenta a cada episódio.

Apesar de adotar elementos conhecidos do thriller de vizinhança, “O Monstro em Mim” se diferencia ao insistir nos efeitos do luto prolongado e na responsabilidade de quem decide contar a história de outra pessoa. Aggie precisa lidar com a memória do filho, com a relação abalada com a ex-esposa e com a tentação de transformar Nile em personagem antes de ter certeza sobre sua culpa. Nile, por sua vez, mede palavras em público e em privado, calculando o impacto de cada aparição, ciente de que qualquer deslize pode reativar acusações antigas. Na última imagem da rua, com casas alinhadas e luzes acesas atrás de cortinas fechadas, fica evidente que a confiança entre vizinhos já não volta a ser a mesma depois de tanto olhar atravessado.


Série: O Monstro em Mim
Criação: Gabe Rotter
Direção: Antonio Campos
Ano: 2025
Gêneros: Drama / Misterio/ Thriller
Nota: 9