Acaba de chegar à Netflix uma das comédias policiais mais amadas da última década Atsushi Nishijma / Warner Bros.

Acaba de chegar à Netflix uma das comédias policiais mais amadas da última década

Três amigos idosos dividem o mesmo bairro, a mesma mesa de bar e o mesmo problema: a empresa onde trabalharam a vida toda é vendida, as pensões são encerradas e o banco que administra seus recursos ameaça tomar casas e economias. Joe presencia um assalto espetacular à agência em que tenta renegociar a hipoteca e percebe que, ao contrário dele, os ladrões saem dali com sacolas cheias de dinheiro. Em “Despedida em Grande Estilo”, refilmagem do longa “Going in Style”, de 1979, dirigido por Martin Brest, o plano de virar o jogo ganha forma nas mãos de Zach Braff, que conduz Morgan Freeman, Michael Caine e Alan Arkin por uma comédia de assalto fundada em problemas concretos.

O filme acompanha Joe (Michael Caine), Willie (Morgan Freeman) e Albert (Alan Arkin) na rotina de aposentados que ainda contam cada centavo para sobreviver. Quando recebem a notícia oficial de que a fábrica será transferida para outro país e que o fundo de pensão será encerrado, a frustração cotidiana se transforma em ameaça direta de despejo, doença sem tratamento adequado e separação de famílias. Joe sugere o assalto ao banco responsável pelo colapso financeiro do trio, depois de testemunhar o roubo perfeito. A princípio, os amigos hesitam, mas a perspectiva de perder o pouco que resta convence os três a planejar um último grande golpe.

Braff utiliza humor de situação para acompanhar a transformação de senhores discretos em aprendizes de ladrão. A preparação passa por consultas a um pequeno criminoso local, tentativas de treino e testes de coragem que expõem limites físicos e temores guardados. A sequência em que eles tentam praticar um furto em supermercado define o tom: a narrativa ri da falta de traquejo dos protagonistas sem reduzi-los a caricaturas. O ritmo privilegia pequenas gags físicas, olhares de cansaço e trocas de sarcasmo, sempre conduzidas pela experiência dos intérpretes. Freeman traz doçura e vulnerabilidade à saúde debilitada de Willie; Caine carrega o peso de quem pode perder a casa onde vive com filha e neta; Arkin representa a resistência mal-humorada de quem já não esperava grandes mudanças.

As cenas de assalto mantêm clareza espacial e lógica simples. A câmera acompanha o trio nas idas e vindas ao banco, nos reconhecimentos de área e na preparação do álibi durante uma festa no clube de veteranos. O interior da agência é apresentado em planos amplos, com atenção a portas, caixas, corredores e câmeras de segurança, para que o espectador entenda o que está em jogo quando o golpe ocorre. A montagem alterna os preparativos com momentos de intimidade familiar, incluindo o vínculo de Joe com a neta e a solidão de Albert, suavizada pela personagem de Ann-Margret. Esse movimento reforça que o assalto não tem glamour cinematográfico: é uma tentativa desesperada de preservar vínculos e independência.

O desenho de produção estabelece zonas reconhecíveis: o espaço envidraçado da agência, as calçadas estreitas das ruas de bairro, a fábrica vazia transformada em memória física de um tempo de estabilidade e o clube de veteranos, onde piadas cruzam com a sensação de descarte. Essa divisão reduz a chance de confusão durante os deslocamentos e sustenta a curva dos protagonistas, que aprendem rotas, horários e gestos codificados. O figurino cumpre dupla função: expõe a vida simples dos três e, ao mesmo tempo, oferece bolsos, dobras e brechas úteis para anotações, rádios e pequenos recursos improvisados.

A direção de atores aposta na cumplicidade entre Freeman, Caine e Arkin. Cada um reage de modo distinto ao plano, o que gera atrito e afeto em proporções equivalentes. Matt Dillon, como agente responsável pela investigação, funciona como contrapeso institucional, sempre guiado por desconfiança metódica. Christopher Lloyd, colega de clube ainda mais confuso que os protagonistas, reforça o clima de comédia de costumes, com piadas sobre burocracia, esquecimento e perda de autonomia. Quando essas figuras se cruzam, a narrativa evidencia quem manda, quem tenta resistir e quem se acostumou a ser ignorado.

O som trabalha informação e ritmo. Há música popular nos deslocamentos, mas o desenho prioriza passos em piso duro, apitos de atendimento, motores de ônibus e interferência de rádio. Esses sinais compõem a paisagem da cidade e marcam o tempo da história. Quanto mais se aproxima o dia planejado para o assalto, mais curtos ficam os intervalos entre chamadas telefônicas, reuniões no bar da esquina e visitas ao banco. A progressão temporal, ancorada em pequenos eventos audíveis, sustenta o risco sem recorrer a exageros visuais.

Como refilmagem, “Despedida em Grande Estilo” suaviza o tom amargo da versão de 1979 e adota olhar mais conciliador em relação ao sistema que aperta os protagonistas. Há críticas a bancos e empresas que realocam produção sem considerar funcionários, mas o roteiro de Theodore Melfi opta por uma abordagem mais leve, adequando-se ao desejo de ver intérpretes veteranos trocando planos e confidências em mesas de bar, salas de estar e corredores de agência. A idade é tratada como dado concreto, não como sentença definitiva de imobilidade.

A presença de familiares e vizinhos amplia o alcance do conflito. A filha de Joe tenta equilibrar contas e proteger a neta, enquanto o avô pondera o peso de expor a família às consequências do plano. Willie lida com limitações de saúde e a possibilidade de mudar de cidade para ficar mais perto da neta. Albert hesita entre manter sua rotina de professor aposentado e aceitar que talvez ainda haja espaço para romance e aventura. Cada escolha reforça que o assalto não é capricho, mas reação ao estreitamento do futuro.

“Despedida em Grande Estilo” apresenta uma comédia de assalto de escala doméstica, que usa o crime como válvula de escape para sentimentos de injustiça sem recorrer a cinismo ou violência gráfica. Ao reconhecer que muitos idosos enfrentam precariedade mesmo após décadas de trabalho, o filme encontra um ponto de equilíbrio entre fantasia e crítica social. A imagem dos três caminhando pela calçada do bairro, ternos alinhados e sacolas firmadas nas mãos, confirma essa aposta em seguir adiante apesar dos cortes e ameaças do cotidiano.

Filme: Despedida em Grande Estilo
Diretor: Zach Braff
Ano: 2017
Gênero: Comédia/Crime
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★